por Inês Neves, 2024

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1. Princípio estruturante da ordem jurídico-constitucional e imagem do Estado constitucional, representativo e de Direito que conhece as suas primeiras manifestações significativas no período subsequente às duas Guerras Mundiais (ainda que, como fórmula, tenha raízes anteriores).

2. Enquanto Estado social de Direito, aponta para uma realização material do Estado de Direito, movida pela prossecução de fins de solidariedade e de justiça social, lidos e compreendidos, também, numa lógica inter-, transgeracional e de futuro. É, também por isso, elemento natural e não meramente acidental ou conjetural numa cultura político-constitucional promotora da igual dignidade social da pessoa humana.

3. Sucede (sem o substituir ou aniquilar) ao Estado liberal – anorético, invisível, negativo e formal -, num movimento que é mais reformista do que revolucionário. Colora, completa e densifica, por isso, o primeiro, com um conjunto de critérios axiológico-políticos, concretizados nos direitos económicos, sociais e culturais, como posições jurídicas subjetivas e decisões de valor, garantes da libertação da necessidade e inarredavelmente dependentes de um intervencionismo estritamente necessário, e na origem de um esbatimento das fronteiras da tríade Estado-sociedade-economia.

4. No domínio económico, o mercado e a cena económica deixam de se apresentar como prius espontâneos, naturais e prévios ao poder político, para se converterem em objetos reguláveis, e suscetíveis de conformação e de configuração segundo standards heteronomamente impostos por uma ordem pública e institucional do mercado e da economia. Contestada a mão invisível e os seus pressupostos, procuram-se respostas para as falhas do mercado, as externalidades inevitáveis, e a inarredável necessidade de prover ao fornecimento de bens públicos e à prossecução de tarefas estaduais.

5. No plano dos direitos, soma-se à igualdade jurídica e abstrata a concretude de uma igualdade material, autêntica e efetiva, através da formulação de políticas públicas, da densificação de prestações com base em critérios contributivos e assistenciais, e da cooperação e abertura do Estado aos cidadãos e a outras formações sociais.

6. Pese embora as diferentes conceções, intensidades e leituras ideológicas a que frequentemente agrilhoado, não há como equivaler o Estado social ao Estado-providência, assistencial ou de bem-estar (welfare state, Wohlfahrstaat) – obeso, ineficiente, excessivamente paternalista, desresponsabilizante e colonizador da vida. Assim como não pode também, e naturalmente, confundir-se com o Estado socialista, corporativo-fascista, soviético-marxista, ou assente numa economia central planificada.

7. Face ao Estado liberal e ao ideário liberal, dá-se um processo de evolução na continuidade. Não há substituição revolucionária, não sendo sequer legítima (em Estado de Direito) uma qualquer exclusividade, sistematicidade ou primazia do Estado (na cena económica e sobre os demais atores sociais). Ao respeito pela autonomia e pela liberdade dos privados, e à garantia do mercado e da economia de mercado como condição de vigência e de efetividade (e, hoje, exigência do projeto europeu), acresce, porém, a atenção à dignidade da pessoa humana, refreando os ímpetos do liberalismo oitocentista e do neoliberalismo absolutizante.

8. Em termos jurídico-político-administrativos, assistiu-se a um recuo do alcance e da dimensão das primeiras manifestações do Estado social, que em si concentra(va) as vestes de poder soberano, empresário, prestador de serviços, gestor e regulador. Este vê-se hoje substituído pelo Estado-garantia (Gewährleistungsstaat). Um Estado ativador ou capacitador, possibilitante, e regulador, a cuja responsabilidade pela prestação-produção sucede a responsabilidade pela garantia. Todavia, nem o recuo do Estado (sobretudo em domínios onde apenas se deverá encontrar se, quando e na medida da sua legitimidade), nem a negação do respetivo monopólio na garantia do bem-estar, afastam a perentoriedade e a deverosidade de uma permanência latente, acionável por deveres estaduais de proteção. As referências a uma crise, rutura ou substituição do Estado social são, por isso também, resolúveis pela adoção de uma perspetiva aberta, flexível e plástica dos respetivos postulados, alcance e possibilidades ou limites.

Bibliografia:

  • João Pacheco de Amorim, Direito Administrativo da Economia – Vol. I (Introdução e Constituição Económica), Coimbra: Almedina, 2021
  • Catarina Santos Botelho, Os Direitos Sociais em Tempos de Crise – Ou Revisitar as Normas Programáticas, Coimbra: Almedina, 2017
  • João Carlos Loureiro, “Adeus ao Estado Social? O insustentável peso do Não Ter”, Boletim da Faculdade de Direito: Universidade de Coimbra, 83: 99-182, 2007
  • Jorge Miranda, “Os novos paradigmas do Estado social” in Conferência proferida em 28 de Setembro de 2011, em Belo Horizonte, no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado, disponível em: <https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1116-2433.pdf> [último acesso em 26.04.2024]
  • Paulo Otero, Direito Constitucional Português Volume I – Identidade Constitucional, Coimbra: Almedina, 2017
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