por Pedro Rosa Ferro, 2024

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1. A subsidiariedade é um princípio de organização social segundo o qual uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, substituindo-a ou privando-a das suas competências: deve antes potenciá-la e apoiá-la, em caso de necessidade, e ajudar a  coordenar a sua acção com a das outras instâncias sociais, tendo em vista o bem comum. Isto significa que a responsabilidade pela actuação pública, quando necessária, cabe à entidade competente mais próxima possível das pessoas diretamente afectadas por essa actuação; ou, por outras palavras,  que as questões sociais e políticas devem ser tratadas ao nível mais imediato ou local que seja consistente com a sua boa resolução. Nestes termos, ao Estado correspondem principalmente deveres de abstenção, mas também deveres de acção: os específicos das funções de soberania, e os supletivos e de assistência, quando requeridos ou delegados. Em suma, o Estado deve deixar viver e “respirar” em liberdade, e não absorver, “secar” ou infantilizar os cidadãos, de acordo com o antigo adágio: Civitas propter cives, non cives propter civitatem.

2. A genealogia do conceito de subsidiariedade pode vislumbrar-se em Aristóteles, Tomás de Aquino,  Althusius, Locke, Stuart Mill,  Proudhon, Tocqueville ou Jellinek, entre outros. Mas é justo reconhecer que esse princípio encontra o seu desenvolvimento conceptual mais elaborado na doutrina social da Igreja Católica, nomeadamente na Encíclica Quadrigesimo Anno (1931) do Papa Pio XI. Entretanto, esse princípio foi acolhido expressamente (embora nem sempre respeitado…) no Tratado Maastricht (1992) da União Europeia, na Constituição portuguesa (1997) e nos ordenamentos de outros Estados membros.

3. Pode distinguir-se entre “subsidiariedade vertical” – aquela que deve vigorar entre os vários níveis hierárquicos das instituições políticas (supranacionais, nacionais, regionais e locais), regulando a divisão de competências entre eles – e “subsidiariedade horizontal” – aquela que articula a relação entre o Estado e a sociedade civil, reservando àquele funções de suplência e amparo, apenas quando os cidadãos (quer individualmente considerados, quer voluntariamente associados) não forem capazes, por si sós, de cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos. Neste segundo sentido, o princípio da subsidiariedade favorece uma composição diversificada, plural, vibrante e densa da sociedade civil e do espaço público, composto de numerosas sociedades menores, independentes do Estado: famílias, clubes, igrejas, corporações profissionais, empresas, sindicatos e associações várias, e respectivas tradições e convenções particulares.

4. A subsidiariedade configura: um princípio de justiça (de direito natural), na medida em que cada indivíduo deve exercer pessoalmente os direitos necessários ao cumprimento dos seus deveres e responsabilidades; um princípio democrático, uma vez que favorece a participação dos cidadãos e a organização da sociedade de baixo para cima; um princípio liberal e emancipador, enquanto limita os poderes do Estado e promove a autonomia, liberdade, iniciativa e sentido de responsabilidade das pessoas; um princípio “comunitário”, porque estimula o desempenho das famílias, comunidades locais e sociedades intermédias (contra a perspectiva de uma “sociedade” massa de indivíduos atomizados, isolados e indefesos, perante um Estado imenso); e um princípio de competência, porque é mais provável que se governe bem aquilo que é próprio e próximo.

5. O contrário do princípio da subsidiariedade consiste precisamente em considerar que a iniciativa dos cidadãos e da sociedade civil é que deve ser subsidiária relativamente à acção do Estado, tal como acontece nos regimes mais ou menos autoritários ou jacobinos. O princípio da subsidiariedade contrasta com formas intrusivas de centralização, burocratização, controlo, assistencialismo público e presença injustificada e excessiva do Estado (ou das instituições supranacionais) no espaço público: quer na educação (o “Estado mestre-escola”), quer na economia (o “Estado patrão”), quer na responsabilidade social (o “Estado ama-seca”), quer na  Administração Pública, quer nas relações internacionais.

Bibliografia:

  • Sílvia Mangerona, Subsidiariedade: Doutrina Política e Modelo de Estado, Cascais: Princípia, 2021
  • Thomas Behr, Social Justice and Subsidiarity: Luigi Taparelli and the Origins of Modern Catholic Social Thought, Washington DC: Catholic University of American Press, 2019
  • Michelle Evans and Augusto Zimmerma, Global Perspectives on Subsidiarity, Springer, 2016
  • Margarida Salema, O princípio da subsidiariedade em perspectiva jurídico-política, Coimbra: Coimbra Editora, 2003
  • Andreas Féllesdal, “Survey Article: Subsidiarity”, The Journal of Political Philosophy: Volume 6, Number 2, 1998, pp. 190-218
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