por Manuel Monteiro, 2024
1. O sistema eleitoral proporcional “surgiu no contexto de mudanças sociais profundas nos finais do século XIX e está associado à ascensão dos partidos operários” (Dieter Nohlen, Sistemas Electorales y Partidos Políticos, 1994, pp. 91-92). A sua grande defesa em Portugal foi feita em 1878, por António Cândido, ao dizer que “a representação política deve ser proporcional. Não satisfazendo a esta condição, é uma falsidade e é um perigo”. Ainda de acordo com as suas palavras “todo o cidadão que é eleitor, tem direito a ser representado”, pelo que “não é a lei da maioria, mas sim á lei da proporcionalidade que a eleição deve satisfazer” (António Cândido, Condições Científicas do Direito de Sufrágio – Lista Múltipla e Voto Uninominal, 1998, p. 105 e pp. 106-107). Trinta e três anos depois da apresentação desta tese, Portugal adoptaria este sistema nas eleições para a Assembleia Constituinte republicana, em 1911, ainda que apenas nos círculos eleitorais de Lisboa e do Porto. Fê-lo depois da Bélgica, em 1898, da Finlândia, em 1906 e da Suécia, em 1907. Mas fê-lo quer antecipando o que viria a ficar consagrado na Constituição portuguesa de 1976, quer em nome da ideia segundo a qual “só a representação proporcional leva à constituição de uma assembleia à imagem do eleitorado, na qual tomem assento todas as tendências políticas significativas do país”. (Jorge Miranda, Direito Eleitoral, 2ª ed., 2021, p. 84).
2. Percebemos assim que o sistema eleitoral proporcional tem por objectivo “atribuir a cada partido ou grupo de opinião um número de mandatos proporcional à sua força numérica” (Jean-Marie Cotteret, Claude Emeri, Les Systèmes Électoraux, 1994, pp. 54-55) . É um sistema que procura garantir “uma repartição mais equitativa dos mandatos entre os diversos concorrentes, outorgando naturalmente mais lugares aos mais votados, mas permitindo, ao mesmo tempo, que os que atingem um resultado mais modesto, possam, apesar de tudo, assegurar representação” (José de Matos Correia, Ricardo Leite Pinto, Lições de Ciência Política e Direito Constitucional – Eleições, Referendo, Partidos Políticos e Sistemas Constitucionais Comparados, 2018, p. 46). E para que estes objectivos possam ser alcançados o sistema eleitoral proporcional é apenas compatível com círculos plurinominais de eleição, o que pressupõe a natural existência de um escrutínio de listas de candidatura.
3. No entanto, apesar de nos encontrarmos perante um escrutínio de listas importa perceber como elas se apresentam aos eleitores, precisamente para compreendermos se estes têm a possibilidade de alterar a disposição dos candidatos apresentada ou se, pelo contrário, essa disposição é inalterável. No primeiro caso deparamo-nos com os designados sistemas proporcionais com «listas abertas» – também chamados «sistemas de representação proporcional personalizada» –, já no segundo caso estamos diante sistemas proporcionais com «listas fechadas». Quando as listas são abertas os eleitores podem indicar as suas preferências individuais em relação aos candidatos apresentados, significando isso que, após o apuramento do número de mandatos que caberá a cada uma das listas concorrentes, os eleitos serão os escolhidos pelos eleitores independentemente da ordem de apresentação inicial (é, por exemplo, o sistema em vigor na Finlândia). De modo distinto, tal como sucede em Portugal e em Espanha, a lista fechada “restringe efetivamente a escolha dos eleitores à sigla do partido, uma vez que não permite qualquer alteração na ordem dos candidatos apresentados pelo partido” (Josep M. Colomer, Cómo votamos, 2004, p. 98).
4. Mas a compreensão dos sistemas eleitorais proporcionais não dispensa o conhecimento das fórmulas ou dos métodos que habitualmente lhes estão associados para a conversão dos votos em mandatos, pelo que é sempre necessário fazer a distinção entre o sistema eleitoral propriamente dito e o método seguido para a definição exacta do número de eleitos. Na realidade, a opção por um dos vários métodos de conversão dos votos em mandatos, sejam eles do quociente (quota simples, quociente com distribuição pelo mais forte resto, quociente com distribuição pela média mais forte, quociente rectificado ou de Hagenbach-Bischof) ou do divisor (de que são exemplo o método da média mais alta d`Hondt, o método de Sainte-Laguë ou o método de Sainte-Laguë corrigido), tem sempre consequências no plano da representação partidária. E isso nunca é alheio ao posicionamento que os partidos políticos adoptam, como foi de resto o que se verificou em Portugal, na Assembleia Constituinte, quando PS e PSD defenderam a representatividade proporcional e o método d`Hondt enquanto o CDS e o PCP lhe foram contrários. Os primeiros por saberem que este método os favoreceria, os segundos por saberem que isso os poderia prejudicar.
Bibliografia:
- L. Ferreira Mendes, «Regionalização», in POLIS, 5, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1987.
- António Cândido, Condições Científicas do Direito de Sufrágio – Lista Múltipla e Voto Uninominal, Coimbra, Universidade de Coimbra-Coimbra Editora, 1998.
- Dieter Nohlen, Sistemas Electorales y Partidos Políticos, [trad. para castelhano de Petra Bendel e Xiomara Navas], México, Universidad Nacional Autónoma de México, 1994.
- Jean-Marie Cotteret, Claude Emeri, Les Systèmes Électoraux, Paris, PUF, 1994.
- Jorge Miranda, Direito Eleitoral, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2021.
- José de Matos Correia, Ricardo Leite Pinto, Lições de Ciência Política e Direito Constitucional – Eleições, Referendo, Partidos Políticos e Sistemas Constitucionais Comparados, Lisboa, Universidade Lusíada Editora, 2018.
- Josep M. Colomer, Cómo votamos – Los sistemas electorales del mundo: passado, presente y futuro, Barcelona, Gedisa, 2004.