por Ibsen Noronha, 2024

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1. Importa distinguir lei positiva de positivismo jurídico. Este sempre existiu enquanto atitude mental, como podemos observar, por exemplo, na postura do rei Creonte expressa por Sófocles no século VI a.C., na sua celebrada tragédia Antígona. Contudo, esta concepção acerca do Direito somente foi sistematizada no século XIX. Em suma, são consideradas nesta percepção da realidade jurídica, resumidamente, quatro características: 1. O conceito de Direito está desvinculado do justo e somente é visto como fruto da vontade do legislador. Sua validade se manifesta por critérios de competência e eficácia; 2. O método utilizado é o da aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto; 3. A fonte do Direito identifica-se com a lei; 4. No que respeita à epistemologia é radicalmente cortado e eliminado o vínculo do Direito com a ética, a moral e a metafísica.

O auge do positivismo jurídico foi alcançado pelo normativismo kelseniano. A Justiça foi, então, concebida como um ideal irracional (O Problema da Justiça, São Paulo, 1993, pp. 65-66) e o Direito tornou-se pura imanência. Estado e Direito se identificam, sendo o Direito uma construção coercitiva da conduta. A normatividade torna-se a legitimação jurídica absoluta, princípio e fim do sistema.

2. A lei positiva é a lei escrita, o direito posto. Os romanos a chamavam ius scriptum, em contraposição ao costume – ius non scriptum. Exemplo histórico por excelência de lei positivada está consubstanciada na lei mosaica, em especial nos Dez Mandamentos. Tal positivação é considerada, contudo, uma Revelação.

Numa acepção moderna a lei positiva seria o comando imposto pelo legislador. O contratualismo e a elucubração cerebrina da vontade geral são as principais fontes da concepção hodierna de lei positiva. Associada à construção positivista em geral, e do positivismo jurídico, em especial, nasce contemporaneamente uma visão totalitária da lei positiva que se entende quase como uma possibilidade ilimitada de regulação da vida social. Já os romanos desconfiavam de uma sociedade que necessitava imperiosamente de leis positivas para a sua subsistência. Corruptissima re publica plurimae leges, ou, em outra versão, Corruptissima republica plurimae leges, é a máxima latina forjada no século I da nossa era, pelo historiador e homem público romano Tácito (Anais, III, 27), para afirmar com acuidade que a torrente legislativa revela um Estado corrompido. A república está enferma pela queda moral dos seus membros e procura obviar a decadência produzindo leis que, em última análise, são apenas um paliativo.

3. A lei positiva pode ser útil na medida em que estiver de acordo com a lei natural. O estabelecimento de leis tem como fim beneficiar o exercício das virtudes, seja daqueles naturalmente predispostos a esta prática, seja àqueles menos dispostos e que são levados por uma espécie de coacção a praticá-las. A lei positiva também pode obviar alguma tendência à arbitrariedade por parte dos magistrados. Poder-se-á impedir, assim, os julgamentos apaixonados que, em regra, depravam o juízo. As leis justas – pois, não há ilusão, existem leis injustas – são deduções ordenadas da natureza constituídas pela recta ratio. A sua finalidade não pode ser senão a Salus publica. Estando de acordo com a ordem natural favorecerá também a Salus animarum, numa clave mais elevada e transcendente de eficácia.

BIBLIOGRAFIA:

– GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 2004.

– HANS KELSEN, A justiça e o direito natural, [S. l.]: Armênio Armado Editor, 1979; e, O problema da Justiça. São Paulo, Martins Fontes, 1996.

– MICHEL VILLEY, A Formação do Pensamento Jurídico Moderno, Martins Fontes, 2005; e, Questões de Tomás de Aquino sobre Direito e Política, Martins Fontes, São Paulo, 2016.

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