por Manuel Monteiro, 2024

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1. A Nação é uma comunidade de pessoas ligadas entre si por um sentimento de pertença. É um sentimento que individualiza os que “nascem num certo ambiente cultural feito de tradições e costumes, geralmente expresso numa língua comum, actualizado num idêntico conceito da vida e dinamizado pelas mesmas aspirações de futuro” (Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, I, reimp., 1996, p. 123). É também um sentimento que “traduz o espírito que anima e identifica uma comunidade humana, ligando as gerações do passado às do presente e que se projecta nas gerações futuras” (Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, I, reimp., 2022, pp. 492-493). Podemos neste sentido dizer que a Nação é uma comunidade de tipo particular que, ao exprimir “a identidade de antecedentes políticos: a posse de história nacional e consequente comunidade de recordações” (Stuart Mill, O Governo Representativo, 1967, p. 361), se apresenta como a Casa comum dos que se encontram e sentem ligados por vínculos históricos, culturais e linguísticos. São vínculos que o passado transmite, mas que o presente de forma consciente e voluntária aceita. Essa aceitação do passado pelo presente, traduzindo um acordo permanente na continuidade da herança recebida – acordo que envolve um consentimento e uma vontade que se expressam quotidianamente – (Ernest Renan, Qu`est-ce qu`une Nation?, 1882), projecta-se, como já foi dito, para o futuro, mas o modo como essa projecção se concretiza está sempre dependente da determinação das gerações posteriores.

2. É essa determinação que vai ditar se a Nação vive ou morre. Na realidade, se podemos entender que uma Nação seja apresentada como uma abstração de uma quantidade de indivíduos que dispõem de certas características em comum (H. Morgenthau, A Política entre as Nações, 2003, p. 199), não podemos esquecer que as Nações só persistem se esses mesmos indivíduos o desejarem. Com efeito, do mesmo modo que não subsistem florestas sem árvores, também não teremos Nações se aqueles que as integram e compõem não quiserem a sua continuação. Será sempre a atitude que os membros da Nação têm perante a sua história e a sua cultura (entendida esta como um sistema de ideias, sinais, associações e modos de comportamento e comunicação – Ernest Gellner, Nations et nationalisme, 1989, p. 19 –) e ainda perante a sua língua que definirá se ela pode ter futuro ou se é apenas presente e passado. Se a história e a cultura forem esquecidas e se a língua for substituída, ficará afectada a coesão e a lealdade da comunidade e, nesse caso, a Nação não pode perdurar. Não se pense, todavia, que a preservação da Nação em nome de valores e de vínculos que passam de geração em geração é incompatível com a normal evolução a que também as Nações estão naturalmente sujeitas. Pensar o contrário seria conceber as Nações como realidades estáticas, fechadas sobre si mesmas, contrárias ao diálogo, à partilha, à cooperação e à própria disponibilidade para receber e integrar. Mas a evolução que advém destas circunstâncias não pressupõe prescindir nem do seu direito à diferença, nem do seu direito à afirmação dessa diferença, nem do direito a exigir o reconhecimento dessa diferença.

3. Decorrente da ideia exposta, uma questão temos ainda de colocar: poderá a Nação enquanto história, enquanto cultura, enquanto língua, enquanto comunidade de solidariedade, de partilha, de lealdade, de vontade em preservar uma identidade própria no presente e para o futuro afirmar-se sem poder definir o seu destino? Entendemos que não! Uma Nação que não possua o poder de se autodeterminar não possui o poder de decidir se quer prosseguir enquanto Nação. Pode até, no uso do seu poder, optar por modelos de cooperação com outras Nações que sejam mais ou menos integradores do ponto de vista político, mas sem nunca dispensar a sua liberdade para ser livre. Uma Nação que dispensa a sua liberdade para ser livre é uma Nação que definitivamente se autolimita e ao autolimitar-se de forma permanente impede a manifestação de vontade dos seus membros, o que significa comprometer a sua razão de ser. A continuidade de uma Nação não está assim apenas subordinada a um desejo no presente e a uma aspiração de futuro, está também condicionada ao seu poder efectivo de concretização. A inexistência desse poder empurra a Nação para uma simples comunidade de recordações e uma Nação que vive somente das suas recordações, das más e das boas, afasta-se do seu propósito de contínua afirmação.

4. Uma outra questão deve também ser apresentada: poderá um Estado que represente uma Nação, definida como aqui a definimos, ser membro de organizações internacionais intergovernamentais ou de organizações internacionais que apesar da sua componente intergovernamental possuam um pendor mais integracionista, como é o caso da União Europeia? O princípio subjacente à resposta é o de que nenhuma Nação livre pode deixar de ser uma Nação aberta à cooperação entre nações e de estar firmemente empenhada no respeito pelo direito internacional e na defesa dos valores que lhe assistem. Daqui decorre que a presença e participação em organizações internacionais não é em nada antagónico com as ideias anteriormente defendidas e isso também se aplica a uma organização internacional como a União Europeia. A evolução mundial e as novas realidades que daí advieram demonstram a necessidade de espaços mais alargados de partilha seja na busca de soluções e da sua implementação para problemas que ultrapassam os territórios nacionais, seja na promoção e salvaguarda de valores essenciais à preservação cultural e política das Nações.

Bibliografia:

  • Ernest Gellner, Nations et nationalisme [trad. para francês de Bénédicte Pineau], Paris, Éditions Payot,
  • Ernest Renan, Qu`est-ce qu`une Nation?, Paris, Calmann Lévy, 1882.
  • Morgenthau, A Política entre as Nações – A luta pelo poder e pela paz, [trad. para port. de Oswaldo
  • Biato], São Paulo, Editora Universidade de Brasília, 2003.
  • Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, t. I, reimp., Coimbra Almedina,
  • Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, v. I, reimp., Coimbra, Almedina, 2022.
  • Stuart Mill, O Governo Representativo [trad. para port. de José Fernandes], Lisboa, Arcádia, 1967.
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