por Diogo Costa Gonçalves, 2024

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1. Noção. Entende-se por Ideologia de Género a visão antropológica que concebe a masculinidade e a feminilidade como puras construções sociais, absolutamente independentes da realidade biológica, impostas heteronomamente ao individuo através das instituições e dos processos perpetuação de uma cultura dominante (a cultura judaico-cristã), em particular através da família, escola e da educação moral ou religiosa.

Não se confunde, por tanto, com a necessária igualdade entre homens e mulher. Tão pouco se confunde com a utilização da distinção entre sexos como critério investigação de realidades empíricas (teoria de género), desde que o substrato filosófico em que assentam tais estudos não assuma as premissas antropológicas próprias desta ideologia.

2. Do corpo-sujeito ao corpo-objeto. Na antropologia clássica, corpo foi compreendido como constitutivo da própria pessoa. A pessoa (rationalis naturae individua substantia, na famosa definição de Boethius) era compreendida a partir da sua radical unidade (unidade substancial de corpo e alma). Toda a realidade biológica era, portanto, realidade pessoal. A determinação sexual do corpo humano constituía, também ela, uma determinação da pessoa. A sexualidade, transcendendo a biologia, não era compreendida independentemente desta e menos ainda se concebia uma identidade sexual construída a pesar da biologia ou contra a biologia.

Com a modernidade, o conceito de pessoa tornou-se, paulatinamente, num puro estado subjetivo de consciência. Pessoa deixou de ser id quod est, para passar a ser entendida como id quod cogito: passou a consistir na reflexão do sujeito sobre si mesmo, sem qualquer referencial externo de objetividade.

Neste contexto, a relação com o próprio corpo alterou-se radicalmente: de um corpo-sujeito, próprio da antropologia clássica, passamos a um corpo-objeto, em que a realidade biológica é extrínseca à pessoa: o Homem possui um corpo, mas não é um corpo.

3. Sexo vs. género. Neste contexto cultural, o conceito sexo é reservado para designar a realidade biológica, extrínseca à pessoa. O conceito de género surge associado à representação psicológica, cultural e social do masculino e feminino. O sexo é-nos dado à nascença, mas em nada nos condiciona. Já o género é construído pelo sujeito, numa constante abertura e redefinição, pois «os conceitos para designar o género nunca se estabelecem de uma vez por todas e surgem em constante processo de recriação» (Robert Stoller, Sex and Gender – The Development of Masculinity and Femininity, 1968, 78). Ser masculino ou feminino é, portanto, absolutamente independente do sexo de cada um e corresponde a uma forma de autodeterminação pessoal (autodeterminação de género).

4. Estrutura ideológica. Em qualquer sistema ideológico, o ideal substitui o real. Quando a realidade empírica não se adequa à ideia, não é esta que se corrige, é a realidade que se procura manipular. No caso da ideologia de género, algumas notas merecem ser sublinhadas: (i) a ideologia de género corresponde a uma estrutura neo-marxista de pensamento, onde a luta de classes é substituída pela luta de géneros: «tal como o objetivo final da revolução socialista não era apenas a eliminação do privilégio da classe económica, mas da própria distinção de classe económica, também o objetivo final da revolução feminista deve ser, ao contrário do primeiro movimento feminista, não apenas a eliminação do privilégio masculino, mas da própria distinção de sexo: as diferenças genitais entre os seres humanos deixariam de ter importância cultural» (Shulamith Firestone, The Dialectic of Sex – The case for feminist revolution, 1970, 10-11); (ii) a ideologia género vive de um reducionismo simplista: na sexualidade humana, ou tudo é cultura ou tudo é biologia; como nem tudo biologia, logo, tudo será cultura (ignorando a complexa relação entre natureza e liberdade); (iii) por fim, a ideologia de género pressupõe uma linguagem performativa: a realidade em si não existe; as coisas são como forem ditas. A linguagem constrói, portanto, a realidade: controlar a linguagem (linguagem de género) permite reconstruir a realidade social de acordo com os pressupostos antropológicos de que se parte.

5. Ativismo de género. A concretização sócio-política da ideologia de género exige uma intervenção transversal na sociedade (ativismo de género), que visa assegurar: (i) a compreensão do feminino e do masculino como produtos de um cultura hegemónica que faz crer ser natural o que é puramente cultural; (ii) a promoção de uma educação axiologicamente neutra, a fim de garantir a plena liberdade de construção da identidade de género; (iii) a abolição de todas as estruturas de perpetuação da cultura dominante.

Bibliografia:

  • Alison M. Jaggar /Iris Marion Young, A Companion to Feminist Philosophy, 2000
  • Angela Aparisi Miralles, “Persona y género: ideologia y realidade”, Persona y género, 2011, 19‑36
  • Diogo Costa Gonçalves/Pedro Afonso/Margarida Neto, “Uma visão integral da identidade sexual humana – Ideologia de género e antropologia: o que é o Homem e o seu corpo?”, Reflexões sobre ética médica, 2019, 285‑30
  • Jane Flax, Thinking Fragments – Psychoanalysis, Feminism, and Postmodernism in the Contemporary West, 1990
  • Judith Butler, Gender Trouble – Feminism and the Subversion of Identity, 1990
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