por Paulo Otero, 2024
1. A extrema-esquerda traduz a radicalização dos postulados políticos da esquerda, surgindo com o período jacobino da Revolução Francesa, sob a influência das coordenadas da democracia antiliberal de Rousseau: fazendo da revolução um meio normal de conquista do poder, visa assegurar o igualitarismo, acelerando a imposição de reformas que pretendem abolir a propriedade privada dos meios de produção, por via do confisco, desmantelar a religião e as suas instituições, sem tolerância face aos opositores que são mortos, exilados ou presos.
2. A extrema-esquerda nega a democracia, preferindo a ditadura, eliminando as liberdades dos cidadãos, dissolve a pessoa na coletividade, e, sem acolher a separação de poderes, usa um modelo de Estado omnipotente e omnipresente como instrumento de repressão e de edificação da nova ordem, recorrendo à violência para garantir a imposição das suas conceções: a extrema-esquerda nega a sociedade aberta, procurando instaurar um regime totalitário, servindo-se das instituições democráticas, se existirem, para as subverter, por via do terrorismo, da subversão revolucionária, ou da participação em processos eleitorais, e suprimindo-as, se alcançar sozinha o poder.
3. Em termos evolutivos, se, no final do século XVIII, a extrema-esquerda surge associada ao período do Terror da Revolução e ao protagonismo de Robespierre, durante o século XIX continua ligada a uma matriz revolucionária de origem francesa, apostada no fomento de insurreições, gerando destabilização social, através de movimentos revolucionários e de grupos anarquistas.
4. No século XX, por via da revolução bolchevique, a extrema-esquerda chega ao poder, alicerçada na ideologia marxista-leninista e visando a edificação da sociedade comunista; primeiro, através do sovietismo, depois do maoismo, sem prejuízo da tese trotskista da revolução permanente. Em comum, a extrema-esquerda é contrária à democracia pluralista, preferindo o autoritarismo e a violência, usando da força do aparelho do Estado contra os adversários políticos – o seu exercício do poder não reconhece oposição oficial, pois todos os dissidentes políticos são inimigos, apelidados de “fascistas”, “contrarrevolucionários” ou “traidores”. Paralelamente, o discurso da extrema-esquerda europeia, dominado ainda por uma lógica de luta revolucionária igualitarista, torna-se, através de uma linguagem radical e agressiva, anticapitalista e antiamericano, promovendo a conflitualidade social e o confronto físico com a autoridade.
5. No século XXI, a extrema-esquerda europeia, alicerçada numa nova intelectualidade de cultura linguística anglo-saxónica, e órfã da União Soviética, apesar de continuar a integrar alguns fiéis da ideológica marxista-leninista e trotskista, foi colonizada nas suas novas causas pelo pensamento norte-americano dos woke lefties, e, continuando a primar pela radicalidade da soluções e a intolerância face a quem discorda, passou a acolher no seu discurso as bandeiras da cultura woke, num claro propósito de rotura com a ordem axiológica judaico-cristã, defendendo políticas de proteção de grupos minoritários em função da orientação sexual, favorecendo a difusão da ideologia de género e promovendo uma “cultura do cancelamento”, silenciamento ou neutralização dos opositores – o wokismo reinventou o totalitarismo no século XXI, sem necessidade de Estado, substituído pelo controlo informal dos meios de comunicação social e das redes sociais.
6. Em termos estratégicos, a extrema-esquerda do século XXI recuperou o pensamento gramsciano, procurando, por via silenciosa e subtil, começar por mudar os valores culturais e morais da sociedade, desde logo através do sistema de ensino e dos meios de comunicação, manipulando a linguagem e os quadros mentais de referência histórica e axiológica, produzindo uma paulatina revolução cultural que, num segundo momento, produzirá a mudança política: a revolução abrupta é substituída por uma revolução passiva que, pouco a pouco, se infiltra no plano cultural, gerando um novo quadro social e mental propício às futuras mudanças políticas.
Bibliografia:
- Jean-François Braunstein, A Religião Woke, Lisboa, 2023
- Friedrich Engels, A Origem da Família da Propriedade e do Estado, 3ª ed., Lisboa, 1976
- J.V, Stalin Problems of Leninism, Peking, 1976
- Leon Trotsky,, La Revolucion Traicionada, Buenos Aires, 1938
- Mao Tsetung, Obras Escolhidas, 3 vols, Pequim, 1971 e 1973