por Mafalda Miranda Barbosa, 2024
As responsabilidades parentais, outrora designadas por poder paternal (expressão muito menos ambígua, apenas alterada por imposições de uma linguagem politicamente correta que, contudo, acaba por desvirtuar a incidência subjetiva das ditas responsabilidades, assentes na paternalidade e não na parentalidade), traduzem-se no direito funcional que os pais têm em relação filhos, durante a sua menoridade. Existindo forte controvérsia na doutrina acerca da sua qualificação (ou não) como um direito subjetivo em sentido amplo, são inequívocas as diferenças quanto aos direitos subjetivos stricto sensu, quer porque não são de exercício livre, quer porque estão orientados para a salvaguarda do interesse de um terceiro – o filho –, e não do seu titular. Significa isto que, embora se consubstanciem num poder, o que implica que o menor fique onerado por um dever de obediência, que deve, não obstante, ser conformado tendo em conta a sua progressiva autonomização e o respeito pelos seus direitos de personalidade, tal poder é preenchido no seu conteúdo concreto por uma série de deveres – dever de velar pela segurança e saúde dos filhos, de prover ao seu sustento, de dirigir a sua educação, de representá-los, ainda que nascituros, e de administrar os seus bens. Em termos muito latos, poder-se-ia dizer que os pais ficam investidos num especial dever de garante da incolumidade pessoal dos filhos, garantido o integral desenvolvimento da sua personalidade, ao mesmo tempo que atuam em seu nome na esfera patrimonial. Joga-se aqui o reconhecimento de que o ser humano depende, durante uma parte significativa da sua vida, da família e, mais especificamente, dos seus pais, e concomitantemente o reconhecimento de que o sujeito é pessoa e, portanto, é dotado de uma evidente dimensão relacional, que não é alheia à densificação que se faça dos diversos bens integrados na personalidade tutelada. Ou seja, o exercício das responsabilidades parentais (ou, preferivelmente, do poder paternal) não implica o apagamento da personalidade do filho, tendo de conjugar-se harmoniosamente com o livre desenvolvimento daquela, bem como com a sua privacidade. Impõem-se, porém, cautelas, não só porque o respeito pelas dimensões da personalidade do menor não pode traduzir-se na subversão do sentido de obediência que predica a relação que une os pais aos filhos, como porque o próprio direito ao livre desenvolvimento da personalidade fica sujeito a limites de índole ontológica e axiológica, de tal sorte que não poderá haver invocação do direito sempre que o comportamento do sujeito vise satisfazer um capricho ou envolva um atentado contra a sua dignidade pessoal. Fora da relação com os filhos, as responsabilidades parentais podem analisar-se no quadro da invocação do direito ao livre desenvolvimento da paternidade e da maternidade, o que implica, por um lado, que se prevejam mecanismos de regulação de tais responsabilidades nos casos em que os progenitores não vivem em comunhão, e, por outro lado, que, em sintonia com o ordenamento jurídico constitucional, se assuma que os pais têm a prerrogativa na definição das linhas orientadoras da educação dos seus filhos, não podendo o Estado programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, tornando, por exemplo, inviável a imposição, nas escolas, de conteúdos programáticos marcados pela ideologia de género. Sendo afetado o direito dos pais ou de um dos pais, pode gerar-se uma pretensão indemnizatória. Simultaneamente, estando em causa um direito que é também um dever, o não cumprimento dos diversos deveres em que ele se refrate pode desencadear responsabilidade perante o próprio filho.
Bibliografia:
- A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, tomo I, Almedina, Coimbra, 2010
- Rabindranath Capelo de Sousa, O direito geral de personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, 164 s.
- Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Centelho, Coimbra, 1981