por António Bagão Félix, 2024

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1. Em geral, os sistemas públicos de Segurança Social cobrem acontecimentos ou ocorrências (a que se dá o nome técnico de eventualidades) que, ocasionando um risco de natureza social, são objecto de protecção. As eventualidades podem classificar-se em três grupos: a) as relacionadas com a perda ou redução de rendimentos, isto é, rendimentos cessantes (por exemplo, velhice, doença, invalidez, morte, desemprego, período de inactividade por parentalidade); b) as relacionadas com o aumento de encargos ou, em terminologia civilista, encargos emergentes (por exemplo, encargos familiares, deficiência, dependência); c) as relacionadas com insuficiência de recursos, pobreza ou exclusão.

2. Nos termos da lei de bases da Segurança Social (lei 4/2007, de 6 de Janeiro), o enquadramento das eventualidades referidas na alínea a) está previsto no sistema previdencial de base contributiva. Já as mencionadas na alínea b) e c) estão incluídas no sistema de protecção social de cidadania e são financiados não por contribuições sociais (TSU), mas por transferências do Orçamento do Estado. Entre estas, incluem-se as prestações familiares previstas no chamado subsistema de protecção familiar.

3. O abono de família é a mais antiga prestação social que atende a condições familiares. Foi criado em 1942, tendo Portugal sido o 11º país do mundo a instituir um regime específico de abono de família. Antes dele, e no que é hoje a União Europeia, tinha já sido criada uma prestação de apoio à família na Bélgica (1930), França (1932), Alemanha (1935), Itália (1937), Espanha (1938) e na então Holanda (1939).

4. Em Portugal, o abono de família começou por ser uma prestação pecuniária limitada aos trabalhadores inscritos nas Caixas de Previdência e Abono de Família, tendo o seu campo de aplicação sido estendido nas décadas seguintes. Assim, em 1969, passou a abranger os trabalhadores rurais por conta de outrem (lei nº 2144, de 29.5.1969). Pelo decreto-lei nº 180-C/78 de 15 de Julho, foi alargado aos trabalhadores independentes. No decurso do tempo, unificou-se este regime com a correspondente protecção no âmbito da função pública.

5. Entretanto, outras prestações de âmbito familiar foram sendo criadas para situações que geram encargos adicionais, designadamente o abono de família pré-natal, a 13ª prestação de abono de família, e, noutro âmbito, o subsídio de funeral. Nas áreas da deficiência e da dependência, foram instituídos o subsídio mensal vitalício, o subsídio de educação especial e o subsídio por assistência de terceira pessoa.

6. As condições de atribuição das prestações familiares às crianças e jovens (os titulares da prestação), em particular do abono de família, e a modulação do seu montante são fixadas em função de diversos factores. O principal é o nível de rendimentos da família (totais ou per capita) e a chamada condição de recursos (prova de insuficiência de meios). Outros factores considerados são a idade do titular da prestação, a situação escolar, os encargos educativos, a extensão e composição da família, a caracterização e o grau de dependência ou deficiência.

7. Ligado a estas prestações familiares está o objectivo de promoção da natalidade que, em Portugal – com uma das taxas mais baixas de todo o mundo – se situa em valores longe da renovação geracional. Diz a já citada lei de bases que “a lei deve estabelecer condições especiais de promoção da natalidade que favoreçam a conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar e atendam, em especial, aos tempos de assistência a filhos menores”. Estipula ainda o desenvolvimento de equipamentos sociais de apoio na primeira infância, de mecanismos especiais de apoio à maternidade e à paternidade e de diferenciação das prestações.

8. No plano das políticas públicas e, em particular, da segurança social, a família deve ser considerada como sujeito activo da política social e não unicamente como destinatário passivo de assistência. Não estando em causa o desenvolvimento dos sistemas de protecção social que, em todos os países, melhor ou pior, surgiram, o certo é que a total ou quase total percentagem dos benefícios e prestações se destinam a proteger direitos individuais e, só muito raramente, visam o apoio da família enquanto instituição própria. Todavia, vêm-se observando algumas formas de “familiarização” dos apoios sociais, seja no domínio estrito da Segurança Social, seja noutras políticas públicas. Neste contexto, importa aqui sublinhar a existência do RSI, Rendimento Social de Inserção, que não sendo tecnicamente uma prestação familiar, tem subjacente a composição e condição do agregado familiar.

9. A abordagem das prestações familiares deveria ser mais coordenada e compatibilizada com o modo como os encargos familiares são (ou não) considerados nas normas do IRS, quanto ao número de descendentes, ao eventual grau de incapacidade, às despesas de saúde, educação e formação profissional, entre outras. Na anterior lei-quadro, entretanto revogada (lei 32/2002, de 20 de Dezembro), o seu artigo 68º (“Articulação com o sistema fiscal”) preconizava que as prestações concedidas no âmbito do subsistema de protecção familiar deveriam ser harmonizadas com o sistema fiscal, garantindo o princípio da neutralidade, designadamente em sede de dedução à colecta no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Um exemplo: o recebimento do abono de família dos filhos e a dedução à colecta de IRS pelos mesmos descendentes (afinal, dois apoios simétricos) devem ser perspectivados em conjunto.

10. O valor orçamentado para 2025 quanto ao abono de família é de cerca de 1 500 milhões de euros, o que corresponde a 4.7% do total das prestações sociais contributivas e não contributivas da Segurança Social. Se excluirmos as pensões do regime previdencial, o peso será de 21%. Já numa comparação com a receita do IRS, o custo desta prestação familiar equivale a 9% da colecta deste imposto.

BIBLIOGRAFIA:
• António Bagão Félix, Abono de família, Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 21º volume
• Direcção Geral da Segurança Social, Prestações Familiares,
https://www.segsocial.pt/documents/10152/113014/Evolucao_montantes_prestacoes_familiares.pdf/b325f45c-a402-4ac4-8cc5-041f1f4efff9
• Ilídio das Neves, Lei de Bases da Segurança Social comentada e anotada, Ed. Coimbra Editora, 2003

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