por Manuel Monteiro, 2024

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1. No sentido mais clássico, recuando à antiga Grécia e em particular aos ensinamentos de Aristóteles, a política significava a ideia de Cidade. Esse entendimento remetia-nos quer para a compreensão do Homem enquanto ser naturalmente político e para os seus desejos de alcançar uma vida feliz, quer para a definição das formas de governo mais adequadas à boa organização da comunidade. A política era assim compreendida como a permanente relação entre princípios e fins, considerando-se o exercício do poder o meio através do qual os princípios se realizam.     

2. Esta noção de política seria séculos mais tarde reforçada por São Tomás de Aquino, ainda que completada pela defesa da origem divina do Homem. Se a sua existência continuava a não poder ser desligada da Cidade, a ideia e a acção que conduzia à sua preservação tinham agora em vista o Bem Comum. Já não era apenas a felicidade individual que a política e o poder deveriam ter como objectivo, tão pouco a conservação do grupo enquanto simples soma de partes, mas a procura do Bem que ajudasse a salvaguardar a dignidade de cada pessoa humana. E nesse sentido o governante deveria ser prudente e justo, precisamente por ser essa a única forma de proceder compatível com o princípio e o fim da própria política.

3. Tudo mudaria com Maquiavel. Com ele, e principalmente depois dele, a política passaria a ser maioritariamente entendida com a ciência da conquista, do exercício e da manutenção do poder, deixando este de ser um meio para passar a ser o princípio e o fim. E isso iria determinar a distinção entre a «sociedade política» e a «sociedade civil», bem como a consagração futura do Estado, enquanto organização ou espaço privilegiado de actuação de uma classe específica, a «classe política». Ao homem que era ao mesmo tempo social e político, sucederia o «homem político» e o «homem não político». Estávamos perante uma profunda mudança face à tradicional ideia de Política, caminhando progressivamente para ter dela uma outra concepção. Uma concepção que nos nossos tempos Julien Freund apresentou, como a actividade que garante pela força a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade política, sendo seu objectivo primordial a manutenção da ordem.

4. Nestes termos, a concreta actividade que privilegia a conquista, o exercício e a manutenção do poder, e ainda garante a ordem, assumiu destaque na luta travada pelo domínio do Estado. Este, ao ser visto como uma sociedade distinta, dotado de órgãos próprios e possuidor, como dizia Weber, do monopólio do uso da força legítima, justificaria que a noção de política se esgotasse na acção desenvolvida por si e em função de si, seja qual for o regime político que nele vigore. Os «políticos» surgiam, pois, como seres diferentes, mesmo que temporariamente, dos chamados homens comuns que se ocupavam com as actividades não políticas, integrando por isso a já mencionada «sociedade civil».     

5. O conceito de política tem assim dois significados não coincidentes: o que se inspira nas teses de Aristóteles e de São Tomás de Aquino; o que se filia nas posições de Maquiavel. Seguimos o primeiro caminho e por isso a definimos como a ideia que conduz à promoção da justiça, da liberdade, da segurança, e do bem-estar da comunidade. A escolha desse caminho apoia-se nas seguintes razões: i) também entendemos que é no Homem, enquanto pessoa humana e enquanto ser social e político, que deve residir a centralidade da Política; ii) também consideramos a Política como ideia que se baseia em princípios e que estabelece fins; iii) também vemos o poder e o seu exercício, apenas como meio ao serviço dos princípios; iv) e, por último, também compreendemos o Estado, tal como Vittorio Possenti, como uma parte da sociedade política e não como o seu todo.   

Bibliografia:

  • Aristóteles, Política, 1ª ed. em português feita a partir do grego [trad. de António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes], Lisboa, Vega, 1998
  • Sureau, Denis, Saint Thomas D`Aquin – Petit somme politique, Paris, Pierre Téqui éditeur, 1997
  • Possenti, Vittorio, A Boa Sociedade – Sobre a Reconstrução da Filosofia Política [trad. para a língua port., de Natércia Maria Mendonça, do original La Buona Società – sulla riconstruzione della filosofia politica] Lisboa, IDL, 1986
  • Freund, Julien, O Que É A Política? [trad. para a língua port., de Emílio Campos de Lima, do original Qu´est ce que la Politique?], Lisboa, Editorial Futura, 1974
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