por Paulo Otero, 2024
1. A extrema-direita começou por ser saudosista do passado e, sem embargo de ter as suas raízes mais remotas, pode dizer-se que nasceu de uma postura de oposição radical e violenta à Revolução Francesa: manteve-se fiel aos valores do “Ancien Régime” e assumiu-se, durante o século XIX, como contrarrevolucionária, anticonstitucional, antiliberal e antiparlamentar. A extrema-direita oitocentista nunca se converteu ao liberalismo, nem aceitou o princípio democrático de base rousseauneana na legitimação do poder, tendo encontrado expressão, em Portugal, nos partidários do miguelismo, e, em Espanha, nos carlistas.
2. Durante a primeira metade do século XX, a extrema-direita capitaliza os descontentes do modelo liberal, as vítimas sociais da Grande Depressão, e chega ao poder, afirmando a necessidade de um Estado nacional, dirigista e hegemónico, por via de um executivo autoritário, chefiado por um messias dotado de poderes ilimitados, à luz de uma conceção hegeliana transpersonalista e de uma visão de prevalência absoluta do interesse da coletividade sobre a esfera dos indivíduos, diluídos e absorvidos pela mobilização das massas ou, se opositores, sufocados pela violência da máquina repressiva do Estado – “tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado” foi o lema do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão, enquanto experiências políticas totalitárias que, em 1945, são derrotadas.
3. O termo da II Guerra Mundial determina, se excetuarmos as experiências políticas autoritárias de Portugal e de Espanha, até aos anos setenta, o hibernar da extrema-direita europeia até às décadas de oitenta e noventa do século XX, sem prejuízo de pontuais provas de vida, através de atos de violência terrorista. Houve aqui, durante este intervalo, um tempo de reorganização e de redefinição estratégica que, após a queda do muro de Berlim, deixou de se poder alicerçar no puro discurso anticomunista: a extrema-direita teve que se reinventar, criou novas bandeiras de mobilização coletiva de emoções e novas abordagens políticas, aproveitando a curta memória de cada geração.
4. A extrema-direita do século XXI, sem embargo de ainda albergar correntes defensoras da violência e de nostálgicos de regimes políticos anteriores, tornou-se politicamente pragmática, apresentando uma conversão formal às instituições democráticas e às liberdades fundamentais: a nova extrema-direita procura, por via eleitoral, conquistar o poder, assumindo um discurso antissistema, nacionalista, potencialmente racista e xenófobo, visando captar eleitorado desiludido e o voto de protesto, num apelo emotivo à segurança, ao patriotismo, ao protecionismo e à reserva para os nacionais do bem-estar social, fazendo uma crítica radical à governação dos partidos tradicionais da esquerda e da direita-liberal que, partilhando uma alegada teia obscura de interesses comuns, se revelam colaboracionistas com as políticas neoliberais da União Europeia e favorecem leis de imigração descontrolada e de atribuição ilimitada da nacionalidade a estrangeiros, fazendo emergir o perigo de perda da soberania e da identidade nacional.
5. A nova extrema-direita abandonou os ideais nostálgicos tradicionais e uma metodologia assente na violência como meio de ação, servindo-se da influência das redes sociais junto das novas gerações, converteu-se a uma lógica de poder e de mercado, tendo agora como bandeiras aquilo que, em cada momento e lugar, intui captar e mobilizar as emoções do eleitorado: aspira chegar ao governo, num propósito messiânico de salvação da pátria, prometendo, depois de o conquistar pelo voto, proceder à sua transformação radical.
6. A extrema-direita europeia compreendeu, porém, que pouco mudará na política interna de cada Estado, se a União Europeia não mudar e, por isso, servindo-se desta dupla frente eleitoral, numa concertação estratégica de âmbito transnacional de forças congéneres, aguarda que a União Europeia, tal como se conhece, se desmorone e sobre os seus escombros seja possível edificar um novo paradigma político interno e europeu centrado (i) no combate ao multiculturismo e à globalização, valorizando a assimilação cultural e a identidade própria de cada região e de cada pais, e (ii) no desmantelamento do neoliberalismo, do igualitarismo e do mercado livre dentro de um espaço sem fronteiras.
Bibliografia:
- António José de Brito, Para a Compreensão do Pensamento Contra-Revolucionário: Alfredo Pimenta, António Sardinha, Charles Maurras, Salazar, Lisboa, 1996Friedrich Engels, A Origem da Família da Propriedade e do Estado, 3ª ed., Lisboa, 1976
- Fernando Campos, O Pensamento Contra-Revolucionário em Portugal, 2 vols., Lisboa, 1931 e 1932
- Paul Hainsworth, The Extreme Right in Europe and the USA, London, 1992
- Piero Gnazi L’Estrema Destra in Europa, Bologna, 1994;
- José Luis Rodríguez Jiménez, La Extrema Derecha Europea, Madrid, 2004
- J. Ueltzhöffer “Rechtsextremismus”, in NOHLEN, D. (org.): Lexikon der Politik, München, 1992, pp. 382 ss