por António Bagão Félix, 2024

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1. A ética pode ser definida tanto como uma disciplina filosófica que nos ensina a distinguir entre o que é bom e mau para a pessoa e para a sociedade, ou uma ciência prática que nos guia do ponto de vista do bem e do mal na acção, na decisão e na conduta. Sócrates sumariou-a “como devemos viver, e porquê”. Aristóteles definiu-a com a pergunta  “por que razão viveu a pena ter nascido?”. Kant incidia a sua abordagem deontológica “no que devo fazer na relação com o outro”. Já Pierre Reverdy dizia que “a ética é a estética de dentro”.  

2. Muitas vezes utilizadas como palavras sinónimas, ética e moral não devem ser confundidas. A moral é um conjunto de princípios, normas e valores entendidos a um nível abstracto e pessoal, normalmente associados a preceitos de raiz religiosa ou espiritual. Já a ética tem que ver as práticas, hábitos e costumes aferidos a um nível concreto e relacional. Por outras palavras: na moral a distinção é entre bem e mal (por exemplo, uma situação moralmente aceite ou inaceitável). Na ética, a separação é entre o bom e o mau para uma dada situação (um acto eticamente correcto ou errado). A ética consiste no estudo das regras e dos princípios que avaliam ou determinam o certo e o errado, o bom e o mau para um contexto concreto. Por isso, o livre arbítrio da pessoa é uma condição necessária para o escrutínio ético da sua conduta.

3. A abordagem ética pode ser feita segundo vários ângulos: o da ética normativa ou prescritiva, orientadora do comportamento (o dever ser); o da ética descritiva, ou seja factual, objectiva e verificável (o que é) e o da ética conceptual da análise e significação dos conceitos e padrões comportamentais.

4. O conjunto do que é eticamente aceitável (o legítimo) é mais restrito e exigente do que é juridicamente aceitável (o legal). Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe, mas que se nos podem e devem impor. Nenhuma lei proíbe em absoluto a mentira, a desonestidade, a deslealdade, a malvadez, o ódio, o desprezo, a vilanagem, como nenhuma norma jurídica só por si assegura valores éticos imperativos, como a decência, a verdade, a amizade, a lealdade, a solidariedade, etc.

5. Fazer as coisas bem feitas poderá ser uma medida de eficiência. Mas só fazer as coisas certas é uma medida de ética. Juntando estas duas asserções, isto é, fazer as coisas certas de um modo certo, chega-se à plenitude do imperativo ético. Para tal. buscando os fins na sua relação com o outro e consigo próprio. E sabendo escolher os meios necessários para alcançar os fins. Com liberdade e responsabilidade. Quase sempre em confrontação dilemática, em contextos e situações que podem implicar escolhas difíceis e custos associados a renúncias. No fim de contas, em presença das sempiterna questão ética: pode um fim eticamente bom justificar meios eticamente maus?

6. As teorias éticas clássicas dividem-se em dois grupos: as consequencialistas ou teleológicas e as não consequencialistas ou deontológicas. Para as primeiras –  de que o utilitarismo é a expressão mais conhecida – a sua base reside na avaliação dos resultados ou consequências da acção: se são os desejáveis, úteis ou bons. Para as segundas – teorias baseadas em deveres e direitos – a sua essência é o julgamento moral dos princípios subjacentes à motivação da pessoa que age ou decide, independentemente dos seus prováveis efeitos ou consequências.

7. Já nas chamadas teorias contemporâneas, destacam-se quatro: a ética das virtudes, de raiz aristotélica, centrada no carácter e nas particularidades da  pessoa e da situação; a ética dos cuidados, que enfatiza a relação interpessoal em detrimento de regras mais impessoais e abstractas; a ética discursiva ou persuasiva, desenvolvida por Jürgen Habermas, que aspira a resolver conflitos éticos através de um processo de geração de normas por via da reflexão racional sobre a experiência de todos os participantes relevantes; e a chamada ética pós-moderna, que coloca a ética para lá da esfera de racionalidade, e apela à inteligência emocional acerca do que é certo ou errado numa decisão ou acção.

BIBLIOGRAFIA:

– Aristóteles, Ética a Nicómaco, ed. Quetzal 2004

– Immanuel Kant, Leçons d’éthique, Ed. Classiques de poche 1997

– André Comte-Sponville, Petit traité des grandes vertus, ed. PUF, 2020

– Maria do Céu Patrão Neves (coord.), Ética : dos fundamentos à prática, ed. 70, 2017

– José Manuel Santos, Introdução à ética, ed. Documenta, 2012

– António Bagão Félix, Paulo Otero, Pedro Afonso, Victor Gil (coord.), Temas de Ética – reflexões e desafios, ed. Principia, 2022

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