por António Pedro Barbas Homem, 2024

Descarregar 

1. A Universidade é uma criação do espírito medieval europeu. Se bem que existam antecedentes nas academias gregas e romanas e, na Idade Média europeia, no ensino realizado nas igrejas, conventos e mosteiros, as universidades nascem no final do século XI como uma resposta original das cidades, reis e Igreja aos problemas do tempo. No início, o ensino centra-se em matérias específicas: em regra, teologia, direito (romano e ou canónico) e medicina. Desde então, a universidade prepara os profissionais que as sociedades necessitam em cada época.

Em toda a Europa estuda-se o mesmo e de acordo com um método também comum (por antonomásia, o método escolástico). Junto das universidades são criados colégios destinados à preparação dos futuros estudantes e o seu número, no início muito pequeno, aumenta gradualmente ao longo da Idade Média. Aí estudam-se as chamadas artes liberais, o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia), num modelo por vezes designado como faculdade de artes.

O prestígio dos professores e do método justifica o sucesso. São fundadas universidades em toda a Europa ocidental nos séculos seguintes, embora com qualidade e reconhecimento muito diferente. Bolonha foi a primeira universidade (1088) e, seguindo o seu modelo foram fundadas ou reconhecidas como universidades em outros países europeus, em 1150 Paris, em 1156 Oxford, em 1209 Cambridge, em 1218 Salamanca, entre muitas outras. No caso português, D. Dinis funda o Estudo Geral na cidade de Lisboa, em 1290.

2. O modelo organizativo é peculiar, no contexto medieval. A universidade é uma corporação de professores e estudantes, com autonomia perante as autoridades municipais, eclesiásticas e reais. Tem património próprio e juízes privativos.

A organização dos saberes coloca a teologia no seu centro. A expressão a teologia é a mãe das ciências exprime a importância da religião e da teologia para todos os saberes. A reflexão acerca dos fundamentos do direito e da medicina é feita a partir da teologia. Teólogos como São Tomás de Aquino estudaram estes temas de acordo com um espírito sistemático, outro elemento característico da visão medieval. Mas um sistema que decorre da religião e da teologia.

3. No século XVI, o humanismo vai trazer novos desafios às universidades. De um lado e com a redescoberta de obras clássicas gregas e latinas, a invenção da imprensa e a sua utilização na divulgação do conhecimento, e as novas descobertas científicas trazidas com os descobrimentos em muitas áreas (astronomia, cartografia, geografia, geologia, história, entre outras), implicam uma revisão dos saberes e dos autores em que estes se fundavam. De outro lado, a reforma protestante e a contra-reforma católica dividem de modo dramático a comunidade cristã e obrigam os universitários a tomar partido nas contendas religiosas.

Neste contexto, que é simultaneamente de crise religiosa e de expansão do conhecimento, são fundadas novas universidades. No caso português, assinalamos a fundação da Universidade de Évora, dirigida pela Ordem de Jesus. Nunca foi autorizada a ministrar cursos jurídicos, embora seja aí e na Universidade de Coimbra que ensinam alguns dos grandes teólogos que intentaram prosseguir a visão medieval, como Francisco Suarez e Molina. Costuma designar-se esta visão como segunda escolástica ou escolástica peninsular, uma vez que ela tem também como foco outras universidades peninsulares, como Salamanca.

4. Esta herança clássica vai defrontar-se no Iluminismo com novas ideias e com a pretensão de construir um novo sistema científico e crítico já sem a presença da teologia. De um lado, a reacção anti-jesuítica leva à extinção das universidades, como a de Évora, e ao encerramento dos inúmeros colégios que dirigiam. Por toda a Europa reorganizam-se ou reformam-se as Universidades. Em Portugal, a chamada reforma pombalina de 1772 é um dos marcos destas ideias iluministas acerca da ciência. Aumenta o controlo do Estado e intensifica-se uma visão profissionalizante da universidade.

Décadas passadas, a visão iluminista confronta-se com uma nova visão liberal acerca do ensino e da educação, em geral. Torna-se evidente um caminho no sentido da secularização, de um lado, e de triunfo gradual de uma nova forma de pensar as ciências, as antigas e as novas – o positivismo.

Em vários países europeus, nascem, dentro das universidades ou como instituições especializadas, faculdades ou institutos ligados à formação prática de engenheiros e de arquitectos, de desenhadores e de outros profissionais. A reformulação dos saberes implica então a criação de novas Faculdades a partir da matriz antiga ou a criação de universidades para estes saberes técnicos. Nasce aqui uma tendencial diferenciação

entre os saberes clássicos e os saberes técnicos, as universidades clássicas e as técnicas ou politécnicas.

5. As universidades oitocentistas vão ainda exigir dos académicos a produção de novo conhecimento e a sua divulgação. De um lado, portanto, a exigência de investigação e de inovação, depois colocadas ao serviço do ensino; de outro, a exigência de publicitação desse conhecimento. A partir do século XIX, a formação da sociedade industrial e de massas é assim acompanhada por institutos de investigação científica dentro das universidades e por um novo tipo de cientistas cujas inovações e invenções, por exemplo corporizadas em patentes, são cruciais para o avanço do conhecimento e da qualidade de vida. A liberdade de investigar e de ensinar é reivindicada como uma das dimensões da nova ideia de universidade.

As universidades do século XIX completam assim a herança anterior. São inclusivamente fundadas universidades apenas focadas na investigação científica, mas a generalidade das instituições continua simultaneamente dedicada à investigação e ao ensino.

No quadro das ideias educativas liberais dos séculos XIX e XX, entende-se que o acesso ao ensino superior deve ser generalizado. As universidades vão assim defrontar-se com o desafio de incluir um número sempre crescente de estudantes e de definir sistemas concorrenciais justos de acesso. Na Europa, criados os liceus de acordo com um modelo primeiramente definido em França, caberá a estas instituições formar e na prática determinar os métodos de selecção dos futuros universitários.

6. Vale a pena lembrar alguns dos marcos da história da universidade em Portugal. Em 1836, a reforma liberal da universidade, que será depois continuada por outras. Ao longo do século XIX, a criação de escolas fora de Coimbra para o ensino da medicina, das ciências, da farmácia e da formação de professores, abre o caminho para que, em 1911, com a criação das Universidades de Lisboa e do Porto, termine o monopólio que a Universidade de Coimbra exercia em Portugal.

Mas é apenas no final do Estado Novo que se assinala a criação de novas universidades públicas e o reconhecimento da Universidade Católica e, com a democracia e a afirmação constitucional das liberdades de aprender e de ensinar, também de universidades privadas.

Em 2024 existem treze universidades públicas, nove universidades privadas e a Universidade Católica. Cerca de quatrocentos mil estudantes frequentam em cada ano instituições de ensino superior, incluindo as escolas do ensino politécnico. Uma das directrizes políticas da revolução de 1974, a democratização do ensino superior, está cumprida. Frequentar a universidade deixou de ser um privilégio para ser um direito.

Contudo, emergem novos problemas.

A multiplicação de áreas científicas já não permite encontrar um fundo comum a todas elas. Por esta razão, a legislação portuguesa desistiu de definir universidade e consagra um critério aritmético: podem ser reconhecidas como universidades as instituições que ministrem seis cursos de licenciatura, seis ciclos de mestrado e três de doutoramento em áreas científicas distintas e que produzam actividades de investigação, de ensino e de divulgação cultural. No entanto, não existe hoje em dia uma classificação universalmente aceite das ciências e áreas científicas.

7. Olhando em retrospectiva para a história pluricentenária da universidade, verificamos que as instituições estão hoje mergulhadas numa rede de complexidade burocrática sempre crescente, com processos de acreditação, de avaliação nacional e internacional, de avaliação dos docentes, de internacionalização, de medição das consequências das publicações e da investigação, processos que implicam por sua vez o recrutamento de uma multiplicidade de especialistas que não são académicos e que levam as universidades a fechar-se sobre si próprias.

A autonomia das universidades é uma forma institucional de assegurar que os professores e investigadores gozam de liberdade para investigar, ensinar e difundir o conhecimento. Uma liberdade que é conhecida internacionalmente como liberdade de cátedra. Mas esta liberdade não pode entender-se como absoluta e sem limites. Hoje, para além dos clássicos problemas da verdade, do belo e do justo, o conhecimento científico vive confrontado com as novas ameaças sociais e ideológicas, como o politicamente correcto, a massificação, a inteligência artificial e o transhumanismo.

A universidade portuguesa também perdeu o monopólio da formação profissional. A licenciatura deixou de ser a licença para exercer uma profissão. Hoje, uma multiplicidade de organismos, designadamente ordens profissionais, pretendem controlar e validar os conhecimentos adquiridos pelos estudantes universitários.

Continuam válidas nos nossos dias as ideias do Cardeal S. John Henry Newman formuladas em meados do século XIX. A universidade ideal é uma comunidade de

pensadores, envolvendo-se em atividades intelectuais não para qualquer propósito externo, mas como um fim em si mesmo. Prevendo uma educação ampla e liberal, que ensina os alunos a pensar e a raciocinar e a comparar e a discriminar e a analisar, Newman considerou que as mentes estreitas nascem de especialização estreita e ensinou que os estudantes devem receber uma base sólida em todas as áreas de estudo. A missão da Universidade, completou Ortega y Gasset, numa fórmula feliz e que continua válida para os nossos dias, é a de estar à frente do seu tempo. E isto só pode ser compreendido nesta ligação entre ciência e cultura, procura da verdade e sentido do bem.

Bibliografia principal:

– Guilherme Braga da Cruz, O Essencial sobre a História das Universidades, Lisboa, Imprensa Nacional, 2008

– John Henry Newman, The idea of a university, 1873 (https://www.gutenberg.org/files/24526/24526-pdf.pdf)

– J. Ortega y Gasset, Mission de la Universidad, Madrid, 1930

– António M. Feijó e Miguel Tamen, A Universidade como deve ser, Lisboa, FFMS, 2017 – Alasdair MacIntyre, God, Philosophy, Universities. A Selective History of the Catholic Philosophical Tradition, Rowman, Maryland, 2011

« Voltar ao Dicionário Político