Dicionário: Lei Positiva1. São sistemas eleitorais mistos aqueles que conjugam elementos de sistemas eleitorais maioritários (elegendo deputados individualmente, em círculos uninominais) e proporcionais (elegendo proporcionalmente deputados por listas, em círculos plurinominais). Nos sistemas mistos, por isso, cada eleitor dispõe de um duplo voto: por um lado, vota num candidato uninominal e, por outro, numa candidatura de lista plurinominal. O duplo voto pode ser exercido ou no mesmo boletim, que apresenta as duas escolhas (como sucede na Alemanha e na Nova Zelândia), ou em boletins separados para cada uma das escolhas (como se verifica na Federação Russa).
2. Estes sistemas eleitorais mistos podem ser de dois tipos: os sistemas mistos paralelos e os sistemas mistos de compensação. No primeiro modelo, o sistema misto paralelo, como na Federação Russa, os eleitos uninominais e em listas plurinominais constituem contingentes diferentes, absolutamente separados, que entram, em paralelo, no Parlamento, de acordo com as respetivas regras de apuramento (maioritário nos uninominais, proporcional nos plurinominais). No segundo modelo, o sistema misto de compensação, como na Alemanha, os círculos uninominais e os plurinominais estão articulados entre si e são complementares, prevalecendo, na composição parlamentar, a percentagem definida pela votação proporcional. Este sistema também é designado de sistema de representação proporcional personalizada, querendo transmitir a ideia de que o sistema é proporcional, mas compreende a escolha personalizada de metade dos deputados, sem afetar a proporcionalidade da representação parlamentar.
3. Embora em menor grau do que nos sistemas maioritários exclusivos, os sistemas mistos paralelos provocam ainda distorção da proporcionalidade parlamentar, em virtude do peso relativo do contingente de deputados eleitos em círculos uninominais. Imaginemos que a proporção nacional do maior partido é de 28% e que mantém, aproximadamente, esta percentagem em todo o país, não sendo superado por nenhum outro em qualquer círculo uninominal: se os deputados uninominais forem 50% do Parlamento, aquele partido, com cerca de 28% nos círculos uninominais, conquista logo 50% dos lugares. Nos sistemas mistos de compensação, esta distorção não acontece, sendo os deputados uninominais eleitos descontados aos que o respetivo partido teria a eleger nas listas proporcionais – ou aplicando-se outros sistemas de compensação, que assegurem o respeito da proporcionalidade da representação parlamentar.
4. Pode fazer-se ainda outra classificação dos sistemas mistos: os paritários e os não-paritários. Nos primeiros, os candidatos uninominais são em número igual ao dos plurinominais (como na Alemanha e na Federação Russa). Nos segundos, não são, havendo os casos mais variados: casos de pequena diferença entre deputados eleitos em círculo uninominal e em círculo plurinominal (como na Bolívia) e casos de diferença acentuada ou mesmo muito acentuada entre um lote e outro (como na Albânia); assim como casos em que o lote maior é o de uninominais (como na Albânia) e outros em que o maior número é de plurinominais (como na Tunísia).
5. Em Portugal, desde a revisão constitucional de 1997, o artigo 149.º, n.º 1 da Constituição prevê uma reforma eleitoral que pode introduzir o sistema de representação proporcional personalizada. Diz o preceito: “Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.” Ou seja, o sistema misto de círculos uninominais e plurinominais, devendo assegurar-se a representação proporcional. Em 1998, chegou a tentar-se a introdução do sistema misto, por projetos diferentes do governo PS e do PSD; mas tudo morreu com vetos cruzados na sessão plenária de 23 de abril de 1998, nunca mais se retomando a reforma. A SEDES e a APDQ retomaram a ideia e, em 2019, apresentaram novo projeto de lei à Assembleia da República, a coberto de uma petição subscrita por 7.970 cidadãos, com o título “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados”. Porém, nenhum partido aproveitou para a converter em iniciativa legislativa formal.
6. Os sistemas mistos são, hoje, vistos por muitos autores não tanto como um compromisso entre sistema proporcional e maioritário, mas como uma nova espécie de sistema eleitoral, um sistema próprio. “Ferrara e os seus colegas não têm dúvidas de que a tendência para considerar os sistemas eleitorais mistos como um compromisso está errada; devem antes ser tratados como uma "espécie distinta" de sistemas eleitorais (2005: 4).” – David M. FARRELL, op.cit., pp. 118, referindo-se a Ferrara, Federico, Erik Herron e Misa Nishikawa (2005), Mixed Electoral Systems: Contamination and its Consequences.
Referências Bibliográficas:
• DAVID M. FARRELL, Electoral Systems – A Comparative Introduction, 2nd Edition, Red Globe Press, 2011
• MANUEL BRAGA DA CRUZ (coordenação e seleção de textos), Sistema eleitorais: o debate científico – Edição patrocinada pela Presidência do Conselho de Ministros, Imprensa do Instituto de Ciências Sociais, 1998
• MANUEL MEIRINHO MARTINS, Representação Política, Eleições e Sistemas Eleitorais – Uma introdução, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Universidade de Lisboa, 2.ª edição, 2015
• MICHAEL GALLAGHER e PAUL MITCHELL (editado por), The Politics of Electoral Systems, Oxford University Press, 2008
• PIERRE MARTIN, Les systèmes électoraux et les modes de scrutin, 3.e édition, Montchrestien, 2006
2. Deve esta «classe» ter características que a distingam positivamente? Gaetano Mosca acreditava que sim e daí ter dito que os indivíduos que a compõem possuem “uma certa superioridade material e intelectual ou mesmo moral” (Gaetano Mosca, Elementi di Scienza Politica, 2ª ed., 1923, p. 56). Essa superioridade e até independência, nomeadamente financeira, não deixou de ser assinalada por Weber quando falou dos “notáveis” como aqueles que podem viver da política sem dela dependerem” e que por isso a exercem por vocação. Mas se para Weber existiam os “notáveis”, também existiam aqueles para quem a política é uma profissão (Max Weber, Économie et société, v. 1, 1971, p. 379), devendo-se desse modo distinguir os que vivem para a política dos que vivem da política (Max Weber, Le savant et le politique, 1963, pp. 128-129).
3. Mas se a identificação dos que vivem para a política nos pode conduzir à tal classe dirigente possuidora da superioridade material, intelectual e moral de que falou Mosca, já o reconhecimento dos que vivem da política nos ajuda a compreender a existência de «funcionários políticos». Estes, integrando aquilo que Ostrogorski designou de “máquina política” quando quis caracterizar todo o conjunto de indivíduos cujas funções são indispensáveis ao funcionamento dos partidos (Moisei Ostrogorski, La Démocratie e les Partis Politiques, ed. de 1993, pp. 524-560), seriam essenciais na acção desenvolvida pelos que buscam a conquista e posterior manutenção do poder.
4. Sucede, porém, que as distinções feitas podem ser hoje questionáveis, desde logo se a «máquina política» dos partidos for constituída por “membros permanentes” que tudo controlam e tudo decidem (Max Weber, Le savant et le politique, 1963, pp. 171-172). Nesses casos a «classe dirigente» não só se afasta da ideia de elite sustentada por Gaetano Mosca e por Vilfredo Pareto, como é ela própria o espelho da funcionalização de uma carreira, a “carreira política”, essencialmente preenchida por pessoas politicamente profissionalizadas (José Miguel Júdice, «Classe Política», in Polis, 1º vol., 1983, p. 897). E, tal como a antiga, também esta nova classe política “possui um sentido muito apurado das suas possibilidades e dos seus meios de defesa” (Robert Michels, Les Partis Politiques, 1971, p. 292). Tendo por missão principal a sua individual sobrevivência e sustentabilidade, esta nova classe política ocupa o chamado “círculo interior” dos partidos, cabendo-lhe um papel predominante no recrutamento dos chefes políticos, dos deputados, dos ministros, e mesmo de uma parte relevante dos dirigentes do aparelho de Estado (Maurice Duverger, Les partis politiques, 1976, p. 225).
5. Uma última questão deve ser colocada: poderá a ideia de «classe política», enquanto «classe dirigente» positivamente diferenciada, ser conciliável com o governo democrático? Pensamos que sim. Tudo dependerá afinal da conjugação das seguintes condições: do reconhecimento de que a existência de elites intelectuais não é incompatível com a democracia, do grau de exigência cívica dos cidadãos, do sentido de missão e de dedicação ao bem comum de quantos se propõem dirigir e ainda da perspectiva não profissionalizante da acção política.
Bibliografia principal:
Gaetano Mosca, Elementi di Scienza Politica, 2ª ed., Torino, Fratelli Bocca Editori, 1923.
Gianfranco Pasquino, La classe politica, Bologna, il Mulino, 1999.
Maurice Duverger, Les partis politiques, Paris, Armand Colin, 1976.
Max Weber, Le savant et le politique [trad. para francês de Julien Freund], Paris, Union Générale d`Éditions, 1963.
Économie et société, v. 1 [trad. para francês de Julien Freund, et al], Paris, Plon, 1971
Robert Michels, Les Partis Politiques [trad. para francês por S. Jankelevitch], Paris, Flammarion, 1971.