por Ibsen Noronha, 2024

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1. A acepção de Lei Natural pode ser vislumbrada na Filosofia Grega, no Direito Romano, assim como na Revelação Cristã. Desta tríade ressalta o fundamento cultural da chamada Civilização Cristã.

No mundo grego a Lei Natural prevalece claramente sobre a vontade humana. Aquilo que é por natureza – phýsis – não se submete à volição. A natureza é princípio e causa de tudo o que existe, sendo ainda o princípio e o fim do movimento. A realização plena do ser humano na sociedade vincula-se à concepção do Homem como ser político, e sua plena realização está condicionada à própria natureza que o engendra, ou seja, à sociabilidade, à politicidade, à autoridade, ao relacionamento. Reger-se sob o signo da sua própria natureza indica estar sob o governo da razão, o que se traduz no âmbito social como estar sob o governo das leis, que devem ser a razão sem paixão.

Dentre as virtudes romanas pode-se ressaltar o amor pela ordem jurídica, tendo sido o ius romanum a criação mais nobre do espírito romano. E o pensamento grego em muito contribuiu para o florescimento da Iurisprudentia. O estoicismo afirmou que a ordem racional do universo dirige tanto a vida do Homem quanto da comunidade. A Justiça será, então, a própria ação divina sobre a comunidade. A lei que se inspira na razão divina é a lei natural da comunidade humana. A máxima expressão desta lei foi formulada por Cícero:

A verdadeira lei é a reta razão em harmonia com a natureza, difundida em todos os seres, imutável e sempiterna, que, ordenando, nos chama a cumprir o nosso dever, e, proibindo, nos aparta da injustiça… Não é justo alterar esta lei, nem é lícito derrogá-la em parte, nem abrogá-la em seu todo. Não podemos ser dispensados da sua obediência, nem pelo Senado, nem pelo povo… Quem não obedece esta lei foge de si mesmo e nega a natureza humana, e, por isso mesmo, sofrerá as maiores penas ainda que tenha escapado das outras que consideramos suplício (De republica, III, 22).

Uma passagem paulina fundou a concepção cristã de Lei Natural. O apóstolo teve eminente importância para a cultura do Ocidente. Sendo Doutor da Lei, possuía profundos e sólidos conhecimentos das Escrituras. Também era cidadão romano e conhecia bem o grego. Sua elevada cultura e actividade deu forma a uma cultura cristã com raízes profundas. Uma passagem da Epístola aos Romanos (II, 14-16) foi considerada fundamento transcendente do Direito Natural Cristão:

Quando então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles, não tendo Lei, para si mesmos são Lei; eles mostram que a obra da Lei gravada nos seus corações, dando disso testemunho sua consciência, e seus pensamentos, que alternadamente se acusam ou defendem.

2. O tomismo (Para as concepções tomistas ver as 66 questões, LVII-XCCII dedicadas à Justiça na Segunda Parte da Summa) irá consagrar a concepção tradicional de lei Natural: participação da Lex Aeterna pela criatura racional. E na disposição hierárquica apresentada pelo Aquinate existe ainda a Lex Humanae, definida como uma ordem constituída pela razão em vista do bem comum, promulgada por aquele que governa uma comunidade. Evidente é que uma lei humana que se oponha à lei natural não será verdadeira lei, mas, isto sim, corruptio legis.

Referências bibliográficas:

– IBSEN NORONHA, Lições de História da Cultura Jurídica, Caminhos Romanos, Coimbra, 2024.

– SANTO TOMÀS de AQUINO, Tratado da Lei, Resjuridica, Porto, 1992.

– WILSON COIMBRA LENKE, A Lei e sua ordem a Deus segundo Santo Tomás de Aquino, Contra Errores, São Paulo, 2024.

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