por José Luis da Cruz Vilaça, 2024
1. Noção e princípios. A democracia moderna não se contenta com a existência de assembleias representativas dos cidadãos para funcionar de maneira pacífica, ordeira, respeitadora dos direitos e opiniões de todos e com subordinação ao interesse geral. Compatível com estruturas constitucionais diversas, o Estado de Direito compreende um conjunto de princípios e procedimentos relativos à forma como uma comunidade é governada e à proteção efetiva dos sujeitos de direito. Essencialmente, requer: (i) regras gerais, claras e não-discriminatórias, publicadas e acessíveis a todos, estáveis, adotadas por órgãos constitucionais legitimados pelo sufrágio universal (“the rule of law”, na terminologia anglo-saxónica, princípio da legalidade ou primado da lei, no sentido de que ninguém está acima desta ou isento de respeitá-la); (ii) separação e equilíbrio de poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial); (iii) consenso sobre um conjunto de valores democráticos da sociedade e das suas instituições, incluindo um catálogo escrito de direitos fundamentais cujo respeito é controlado pelos tribunais; (iv) tribunais independentes e imparciais, que assegurem uma tutela judicial efetiva dos direitos dos particulares (entre si e relativamente ao Estado), capazes de resolver conflitos com transparência, celeridade e equidade, no respeito dos direitos de defesa e de acordo com os princípios de não-discriminação, “igualdade de armas” e presunção de inocência. Normas que impõem sanções (penais ou outras) ou encargos (fiscais ou de outra natureza) a quaisquer indivíduos ou entidades são adotadas por assembleias legislativas representativas (nullum crimen, nulla pena, sine lege; no taxation without representation) e não se aplicam retroativamente. Num Estado de Direito, também a Administração deve pautar-se pelos princípios de participação dos cidadãos e de boa administração, de imparcialidade e transparência, de segurança jurídica e proteção das expetativas legítimas, de proporcionalidade e de subsidiariedade. Além disso, qualquer pessoa deve poder criticar livremente a legislação e a forma como é aplicada sem sofrer sanções ou incómodos por havê-lo feito.
2. Estado de Direito em Portugal e na União Europeia (UE). O artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) define a República Portuguesa como um Estado de Direito democrático. A importância deste é constitucionalmente sublinhada nos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 4, CRP, bem como pela sua inclusão entre as tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º, b) e c), CRP), em conjugação com os direitos fundamentais enunciados na Parte I da CRP (artigos 12.º a 79.º). Na UE, são essenciais os artigos 2.º (valores da UE), 6º (direitos fundamentais), 7.º (suspensão dos direitos por violação do artigo 2.º), 9.º a 12.º (princípios democráticos), 19.º (tutela judicial efetiva) e 49.º (condições de adesão de novos Estados-membros, na linha dos chamados “critérios de Maastricht”), do Tratado da UE (TUE), bem como o artigo 15.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE) (transparência da administração e acesso a documentos). A Carta dos Direitos Fundamentais da UE, à qual o artigo 6.º, n.º 1, confere “o mesmo valor jurídico que os Tratados”, consolida a UE como uma União de Direito. O Tribunal de Justiça da UE, na sequência do acórdão de 2017, C-64/16, Associação sindical dos juízes portugueses, tem-se aplicado em reforçar o Estado de Direito na UE face às derivas autoritárias e antidemocráticas de certos Estados-membros, em especial, a violação da independência dos juízes.
Bibliografia
- CRAIG, Paul, EU Administrative Law, Oxford University Press, 3.ª ed., 2016; Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2016: https://plato.stanford.edu/entries/rule-of-law/ .
- HOFMANN, Herwig, General principles of EU law and EU administrative law, in Barnard and Peers (eds.), European Union Law, Oxford University Presspp. 222-233.
- KELSEN, Hans, Pure Theory of Law, M. Knight (trans.), Berkeley: University of California Press, 1960/1967.
- MONTESQUIEU, De l’esprit des lois – Anthologie, Denis de Casabianca, ed., Flamarion, 1748/2019.