por José Ribeiro e Castro, 2024
1. São sistemas eleitorais mistos aqueles que conjugam elementos de sistemas eleitorais maioritários (elegendo deputados individualmente, em círculos uninominais) e proporcionais (elegendo proporcionalmente deputados por listas, em círculos plurinominais). Nos sistemas mistos, por isso, cada eleitor dispõe de um duplo voto: por um lado, vota num candidato uninominal e, por outro, numa candidatura de lista plurinominal. O duplo voto pode ser exercido ou no mesmo boletim, que apresenta as duas escolhas (como sucede na Alemanha e na Nova Zelândia), ou em boletins separados para cada uma das escolhas (como se verifica na Federação Russa).
2. Estes sistemas eleitorais mistos podem ser de dois tipos: os sistemas mistos paralelos e os sistemas mistos de compensação. No primeiro modelo, o sistema misto paralelo, como na Federação Russa, os eleitos uninominais e em listas plurinominais constituem contingentes diferentes, absolutamente separados, que entram, em paralelo, no Parlamento, de acordo com as respetivas regras de apuramento (maioritário nos uninominais, proporcional nos plurinominais). No segundo modelo, o sistema misto de compensação, como na Alemanha, os círculos uninominais e os plurinominais estão articulados entre si e são complementares, prevalecendo, na composição parlamentar, a percentagem definida pela votação proporcional. Este sistema também é designado de sistema de representação proporcional personalizada, querendo transmitir a ideia de que o sistema é proporcional, mas compreende a escolha personalizada de metade dos deputados, sem afetar a proporcionalidade da representação parlamentar.
3. Embora em menor grau do que nos sistemas maioritários exclusivos, os sistemas mistos paralelos provocam ainda distorção da proporcionalidade parlamentar, em virtude do peso relativo do contingente de deputados eleitos em círculos uninominais. Imaginemos que a proporção nacional do maior partido é de 28% e que mantém, aproximadamente, esta percentagem em todo o país, não sendo superado por nenhum outro em qualquer círculo uninominal: se os deputados uninominais forem 50% do Parlamento, aquele partido, com cerca de 28% nos círculos uninominais, conquista logo 50% dos lugares. Nos sistemas mistos de compensação, esta distorção não acontece, sendo os deputados uninominais eleitos descontados aos que o respetivo partido teria a eleger nas listas proporcionais – ou aplicando-se outros sistemas de compensação, que assegurem o respeito da proporcionalidade da representação parlamentar.
4. Pode fazer-se ainda outra classificação dos sistemas mistos: os paritários e os não-paritários. Nos primeiros, os candidatos uninominais são em número igual ao dos plurinominais (como na Alemanha e na Federação Russa). Nos segundos, não são, havendo os casos mais variados: casos de pequena diferença entre deputados eleitos em círculo uninominal e em círculo plurinominal (como na Bolívia) e casos de diferença acentuada ou mesmo muito acentuada entre um lote e outro (como na Albânia); assim como casos em que o lote maior é o de uninominais (como na Albânia) e outros em que o maior número é de plurinominais (como na Tunísia).
5. Em Portugal, desde a revisão constitucional de 1997, o artigo 149.º, n.º 1 da Constituição prevê uma reforma eleitoral que pode introduzir o sistema de representação proporcional personalizada. Diz o preceito: “Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.” Ou seja, o sistema misto de círculos uninominais e plurinominais, devendo assegurar-se a representação proporcional. Em 1998, chegou a tentar-se a introdução do sistema misto, por projetos diferentes do governo PS e do PSD; mas tudo morreu com vetos cruzados na sessão plenária de 23 de abril de 1998, nunca mais se retomando a reforma. A SEDES e a APDQ retomaram a ideia e, em 2019, apresentaram novo projeto de lei à Assembleia da República, a coberto de uma petição subscrita por 7.970 cidadãos, com o título “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados”. Porém, nenhum partido aproveitou para a converter em iniciativa legislativa formal.
6. Os sistemas mistos são, hoje, vistos por muitos autores não tanto como um compromisso entre sistema proporcional e maioritário, mas como uma nova espécie de sistema eleitoral, um sistema próprio. “Ferrara e os seus colegas não têm dúvidas de que a tendência para considerar os sistemas eleitorais mistos como um compromisso está errada; devem antes ser tratados como uma “espécie distinta” de sistemas eleitorais (2005: 4).” – David M. FARRELL, op.cit., pp. 118, referindo-se a Ferrara, Federico, Erik Herron e Misa Nishikawa (2005), Mixed Electoral Systems: Contamination and its Consequences.
Referências Bibliográficas:
- DAVID M. FARRELL, Electoral Systems – A Comparative Introduction, 2nd Edition, Red Globe Press, 2011
- MANUEL BRAGA DA CRUZ (coordenação e seleção de textos), Sistema eleitorais: o debate científico – Edição patrocinada pela Presidência do Conselho de Ministros, Imprensa do Instituto de Ciências Sociais, 1998
- MANUEL MEIRINHO MARTINS, Representação Política, Eleições e Sistemas Eleitorais – Uma introdução, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa, 2.ª edição, 2015
- MICHAEL GALLAGHER e PAUL MITCHELL (editado por), The Politics of Electoral Systems, Oxford University Press, 2008
- PIERRE MARTIN, Les systèmes électoraux et les modes de scrutin, 3.e édition, Montchrestien, 2006