por José Ribeiro e Castro, 2024
1. Corrente política que se desenvolveu no século XX, a democracia cristã inspira-se na Doutrina Social da Igreja. Afirmou-se a partir do pensamento social dos Papas, desde finais do século XIX. Numa Europa em profunda crise social e confrontada com a emergência do socialismo marxista, a Igreja tomou posição, em várias Encíclicas, a favor de uma terceira via, que rejeita o liberalismo capitalista, sem preocupações sociais, e o marxismo. O primeiro Papa a fazer estes pronunciamentos foi Leão XIII, pela encíclica Rerum Novarum (A sede de inovações), em 15 de maio de 1891, que denunciou as condições desumanas de trabalho da classe operária e definiu os princípios cristãos perante as questões sociais e económicas do tempo. Escreveu ainda a Graves de communi re (As graves discussões sobre questões económicas), em 1901, especificamente sobre a democracia cristã. Pio XI actualizaria com a Quadragesimo Anno (No 40.º aniversário), em 1931. São João XXIII escrevia a Mater et Magistra (Mãe e mestra), em 1961, e Pacem in Terris (A Paz na Terra), em 1963. São Paulo VI, publicou a Populorum Progressio (O desenvolvimento dos povos), em 1967. São João Paulo II completou com a Laborem Exercens (É mediante o trabalho), em 1981, a Sollicitudo rei socialis (A solicitude social), em 1987, e a Centesimus Annus (O Centenário), em 1991. Bento XVI deixou-nos a Caritas in Veritate (A caridade na verdade), em 2009. E o Papa Francisco actualizou com a Laudato Si’ (Louvado sejas), em 2015, que ampliou o pensamento da Igreja às questões ambientais, e a Fratelli Tutti (Todos irmãos), em 2020. Os filósofos franceses Jacques Maritain (1882-1973) e Emmanuel Mounier (1905-1950) inspiraram também os democrata-cristãos.
2. A democracia cristã segue princípios filosóficos cristãos: concepção da história com raiz espiritual e não materialista, primado da moral, dignidade da pessoa, a paz, bem comum e justiça social. Prossegue o personalismo comunitário, com a pessoa no centro, princípio e fim de toda a acção política. Defende a cultura da vida, a liberdade religiosa, a descentralização administrativa e a economia social de mercado. Tem como valores básicos a liberdade, a participação democrática, a livre empresa, a função social da propriedade, a solidariedade, a família, a liberdade de educação, a subsidiariedade e o humanismo integral. É não-confessional.
3. Os primeiros partidos e movimentos democrata-cristãos surgem na viragem entre os séculos XIX e XX, como o Partido Popular de Luigi Sturzo, em Itália (fundado em 1919), e o Partido do Centro, na Alemanha, partido católico fundado em 1870. Em Portugal, o Centro Académico da Democracia Cristã, CADC, associação cívica e social, foi fundado em 1901. Mas é sobretudo após a 2.ª Grande Guerra que a Democracia Cristã conhece o seu apogeu na Europa, juntando ao pensamento político, económico e social, um forte compromisso com a Paz e contribuindo marcadamente com a reconstrução da Europa, devastada pela guerra, e para a integração europeia a partir das Comunidades lançadas na década de 1950 – partidos e dirigentes democrata-cristãos (normalmente destaca-se Adenauer, de Gasperi e Schuman) lideravam nos países fundadores da, então, CEE: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos. O CDS aproximou-se da família democrata-cristã após a fundação em 1974, sendo recebido na UEDC logo em 1975. Na mesma época, a democracia cristã conheceu também expansão significativa na América Latina, com maior relevo no Chile, Venezuela e República Dominicana. Na Europa, é de centro-direita, sem expressão onde há tradição de partidos conservadores, que ocupam o seu espaço; na América Latina, inclina-se mais à esquerda.
4. No plano internacional, organizou-se nas Novas Equipas Internacionais (NEI, fundadas em 1947), a que se seguiram a União Mundial Democrata-Cristã (UMDC, 1961) e a União Europeia Democrata-Cristã (UEDC, 1965), no período de maior apogeu. Hoje, na Europa, organiza-se no Partido Popular Europeu (PPE, 1976) e, no mundo, na Internacional Democrática do Centro (IDC, 1982) – “DC” era “Democrata-Cristã”, em 1982, e “Democrática do Centro”, desde 1999, a fim de traduzir a crescente adesão de partidos não-cristãos. Na América Latina, existe a Organização Democrata-Cristã da América (ODCA, 1947).
5. Depois do apogeu nos anos 1960 a 1980, a democracia cristã entrou em crise e conhece atualmente algum declínio. Contribuíram para isso a descristianização de muitas sociedades e a emergência de novas correntes à direita, na Europa; e, na América Latina, ter-se confundido com correntes mais à esquerda, da área da “teologia da libertação”. Ainda assim, está presente em mais de 80 países, incluindo alguns no continente africano. E, no Parlamento Europeu, o PPE mantém-se como maior grupo político, com 177 eurodeputados (25,4%) – Legislatura 2019/24.
Bibliografia:
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, As ideias políticas e sociais de Jesus Cristo, Bertrand Editora, 2019
- ENCÍCLICAS: todas as encíclicas papais referidas no texto podem ser encontradas em https://www.vatican.va/offices/papal_docs_list_po.html, quase todas com tradução em língua portuguesa.
- Grupo PPE, O futuro da Democracia Cristã – Uma bússola para as gerações futuras, EPP group dezembro de 2020 – in https://www.eppgroup.eu/pt/noticias/o-futuro-da-democracia-crista (descarga livre)
- MARCEL PRÉLOT e GEORGES LESCUYER, Histoire des Idées Politiques, pp. 881 e segs., 9.ª edição, Dalloz 1986
- PEPIJN CORDUWENER, The Rise and Fall of the People’s Parties, em especial pp. 94-111, Oxford University Press, 2023 – in https://academic.oup.com/book/46848 (descarga livre)
- RAFAEL CALDERA, A Revolução da Democracia Cristã, ed. APR, Lisboa 1974