por Manuel Monteiro, 2024

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1. A expressão «classe política» ou «classe dirigente», no significado que lhe foi dado por Gaetano Mosca, primeiro no seu livro Teorica dei Governi e Governo Parlamentare e depois nos Elementi di Scienza Politica, está associada ao grupo de pessoas que governam. De acordo com esta concepção “em todas as cidades há duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados”, sendo que a primeira, a classe dos governantes ou classe política, “é sempre a menos numerosa, cumpre todas as funções políticas, monopoliza o poder e aproveita as vantagens que lhe estão associadas”. Estamos assim diante a perspectiva de que “em todas as formas de governo o poder verdadeiro reside numa minoria dirigente” (Gaetano Mosca, Elementi di Scienza Politica, 2ª ed., 1923, p. 52 e p. 342), minoria essa representada por uma classe que “inclui todos os detentores do poder político” (Gianfranco Pasquino, La classe politica, 1999, p. 22).

2. Deve esta «classe» ter características que a distingam positivamente? Gaetano Mosca acreditava que sim e daí ter dito que os indivíduos que a compõem possuem “uma certa superioridade material e intelectual ou mesmo moral” (Gaetano Mosca, Elementi di Scienza Politica, 2ª ed., 1923, p. 56). Essa superioridade e até independência, nomeadamente financeira, não deixou de ser assinalada por Weber quando falou dos “notáveis” como aqueles que podem viver da política sem dela dependerem” e que por isso a exercem por vocação. Mas se para Weber existiam os “notáveis”, também existiam aqueles para quem a política é uma profissão (Max Weber, Économie et société, v. 1, 1971, p. 379), devendo-se desse modo distinguir os que vivem para a política dos que vivem da política (Max Weber, Le savant et le politique, 1963, pp. 128-129).

3. Mas se a identificação dos que vivem para a política nos pode conduzir à tal classe dirigente possuidora da superioridade material, intelectual e moral de que falou Mosca, já o reconhecimento dos que vivem da política nos ajuda a compreender a existência de «funcionários políticos». Estes, integrando aquilo que Ostrogorski designou de “máquina política” quando quis caracterizar todo o conjunto de indivíduos cujas funções são indispensáveis ao funcionamento dos partidos (Moisei Ostrogorski, La Démocratie e les Partis Politiques, ed. de 1993, pp. 524-560), seriam essenciais na acção desenvolvida pelos que buscam a conquista e posterior manutenção do poder.   

4. Sucede, porém, que as distinções feitas podem ser hoje questionáveis, desde logo se a «máquina política» dos partidos for constituída por “membros permanentes” que tudo controlam e tudo decidem (Max Weber, Le savant et le politique, 1963, pp. 171-172). Nesses casos a «classe dirigente» não só se afasta da ideia de elite sustentada por Gaetano Mosca e por Vilfredo Pareto, como é ela própria o espelho da funcionalização de uma carreira, a “carreira política”, essencialmente preenchida por pessoas politicamente profissionalizadas (José Miguel Júdice, «Classe Política», in Polis, 1º vol., 1983, p. 897). E, tal como a antiga, também esta nova classe política “possui um sentido muito apurado das suas possibilidades e dos seus meios de defesa” (Robert Michels, Les Partis Politiques, 1971, p. 292). Tendo por missão principal a sua individual sobrevivência e sustentabilidade, esta nova classe política ocupa o chamado “círculo interior” dos partidos, cabendo-lhe um papel predominante no recrutamento dos chefes políticos, dos deputados, dos ministros, e mesmo de uma parte relevante dos dirigentes do aparelho de Estado (Maurice Duverger, Les partis politiques, 1976, p. 225).

5. Uma última questão deve ser colocada: poderá a ideia de «classe política», enquanto «classe dirigente» positivamente diferenciada, ser conciliável com o governo democrático? Pensamos que sim. Tudo dependerá afinal da conjugação das seguintes condições: do reconhecimento de que a existência de elites intelectuais não é incompatível com a democracia, do grau de exigência cívica dos cidadãos, do sentido de missão e de dedicação ao bem comum de quantos se propõem dirigir e ainda da perspectiva não profissionalizante da acção política.     

Bibliografia principal:

  • Gaetano Mosca, Elementi di Scienza Politica, 2ª ed., Torino, Fratelli Bocca Editori, 1923.
  • Gianfranco Pasquino, La classe politica, Bologna, il Mulino, 1999.
  • Maurice Duverger, Les partis politiques, Paris, Armand Colin, 1976.
  • Max Weber, Le savant et le politique [trad. para francês de Julien Freund], Paris, Union Générale d`Éditions, 1963.
  • Économie et société, v. 1 [trad. para francês de Julien Freund, et al], Paris, Plon, 1971
  • Robert Michels, Les Partis Politiques [trad. para francês por S. Jankelevitch], Paris, Flammarion, 1971.
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