por Manuel Monteiro, 2024

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1. Se entendermos um sistema eleitoral como “o conjunto de regras estabelecidas para definir a forma de votar e o modo de apuramento dos resultados eleitorais, designadamente através da conversão de votos em mandatos” (Diogo Freitas do Amaral, Uma Solução para Portugal, 11ª ed., 1986, p. 69), poderemos entender um sistema eleitoral maioritário como aquele cujas regras atribuem a vitória eleitoral ao candidato que num dado círculo eleitoral obtém o maior número de votos. O sistema eleitoral maioritário está associado à existência de círculos ou circunscrições uninominais de eleição (um só eleito por cada círculo), apesar da chamada representação maioritária poder também conviver com listas de candidatura plurinominais (é, por exemplo, o caso da eleição dos «grandes eleitores presidenciais» nos E.U.A.). Sendo então os círculos uninominais o sufrágio será igualmente uninominal, o que significa dizer que o eleitor vota apenas no candidato da sua preferência.

2. Mas tão importante quanto a identificação de um determinado sistema eleitoral é a compreensão da sua relevância nos sistemas políticos. Com efeito, convirá nunca esquecer que os sistemas eleitorais são nas “democracias representativas modernas, juntamente com os sistemas de partidos, a base de toda a organização política” (Philippe Lauvaux, Les grandes démocraties contemporaines, 4ª ed., 2015, p. 99). Na realidade, quando foi escolhido “o esquema de representação, como um substituto para a reunião dos cidadãos em pessoa” (James Madison, «O Federalista nº 52», O Federalista, p. 477) e quando se assumiu que “um representante é alguém que foi autorizado a agir” (Hanna Fenichel Pitkin, The Concept of Representation, p. 29), os decisores políticos cedo procuraram encontrar as soluções que lhes pareceram mais adequadas para conciliar, entre outros aspectos, «representação» e «governação». Ora essas soluções evidenciam escolhas, elas próprias baseadas em convicções e até interesses políticos, pelo que qualquer sistema eleitoral resultando de uma opção política não pode ser considerado neutro. Não é assim indiferente a decisão a favor de um sistema eleitoral maioritário ou proporcional. Não é indiferente para os partidos e para o papel que têm ou querem ter na sociedade, não é indiferente na relação que se estabelece ou pode estabelecer entre parlamento e governo, como não é indiferente no confronto entre maioria e minoria.

3. Pode desse modo compreender-se que os sistemas maioritários sejam objecto de crítica, desde logo quando se refere que “a regra maioritária implica ditadura da maioria”, precisamente por afastarem aquilo que alguns designam de “democracia de consenso” (Arend Lijphart, As Democracias Contemporâneas, 1989, pp. 41-42). Realçando a ideia de que “o sistema uninominal nega o próprio princípio da proporcionalidade” (Giovanni Sartori, Elementi di teoria politica, 3ª ed., p. 340), princípio que é apresentado como o único promotor e defensor da dita democracia consensual, os críticos dos sistemas eleitorais maioritários tendem muitas vezes a considerar que democracia, e principalmente democracia pluripartidária, é sinónimo de sistema eleitoral proporcional.

4. Importa ainda precisar que os sistemas eleitorais maioritários tanto podem ser sistemas de maioria simples (aqueles em que é eleito o candidato que no seu círculo de candidatura obtém mais votos – é o sistema praticado na eleição do parlamento britânico), como de maioria absoluta, um sistema introduzido por influência da Igreja Católica (Pierre Martin, Les systèmes électoraux et les modes de scrutin, 2006, p. 38). Neste último caso exige-se que o candidato obtenha mais de metade dos votos expressos, caso contrário será necessário realizar uma segunda volta. É o sistema em vigor em Portugal, nas eleições presidenciais (art. 126º, da Constituição da República Portuguesa), como é também o sistema adoptado nas eleições legislativas francesas ainda que com particularidades distintas das exigidas nas presidenciais (mesmo que um candidato obtenha 51% dos votos, eles terão de corresponder a pelo menos 25% dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais e a passagem à segunda volta está reservada aos candidatos que tenham obtido na primeira volta um mínimo de votos correspondentes a 12,5% dos eleitores inscritos – art. L 126, 2º, e art. L 162º, do Código Eleitoral francês). V – Independentemente das opções seguidas terá na nossa opinião de se reconhecer que o sistema maioritário é aquele que melhor garante a ligação entre eleitor e eleito. Se nos sistemas exclusivamente proporcionais, principalmente aqueles em que as listas de candidatura são fechadas, o voto é dado a um partido e os candidatos são na sua esmagadora maioria desconhecidos dos eleitores, já nos sistemas maioritários isso não sucede. Com sistemas proporcionais temos essencialmente democracia de partidos, com sistemas maioritários temos preferencialmente democracia de e dos cidadãos. Como é evidente, o sistema maioritário não está isento de falhas, nem é imune a juízos menos positivos, mas tende a garantir uma maior proximidade entre quem representa e quem é representado.

Bibliografia:

  • Alexander Hamilton, James Madison, John Jay, O Federalista, 2ª ed., [trad. para port. de Viriato Soromenho- Marques e João C. S. Duarte], Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
  • Arend Lijphart, As Democracias Contemporâneas, [trad. para port. de Alexandre Correia e Francisca Bagio], Lisboa, Gradiva, 1989.
  • Diogo Freitas do Amaral, Uma Solução para Portugal, 11ª ed., Mem Martins, Europa-América, 1986.
  • Giovanni Sartori, Elementi di teoria politica, 3ª ed., Bologna, Mulino, 1995. [Tradução nossa]
  • Hanna Fenichel Pitkin, The Concept of Representation, Los Angeles, University of California Press, 1972. [Tradução nossa]
  • Philippe Lauvaux, Les grandes démocraties contemporaines, 4ª ed., Paris, PUF, 2015. [Tradução nossa]
  • Pierre Martin, Les systèmes électoraux et les modes de scrutin, 3ª ed., Paris, Montchrestien, 2006. [Tradução nossa].
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