por Pedro Gil, 2024

Descarregar

1. A vida das comunidades, sobretudo as democráticas, necessita da rede de publicações com carácter noticioso que permite saber o que acontece, escrutinar poderes públicos, conhecer diversos e novos modos de pensar, e exercer uma cidadania mais consciente. Desde a revolução de abril de 1974, muito mudou. Do cenário inicial habitado por poucos atores, num leque ideológico estreito, com uma só conversa pública relevante seguida por uma comunidade sedenta, chegámos hoje a um cenário sobrelotado de atores em conversas muitas e desconexas num leque ideológico alargado. Os atores mais tradicionais sobrevivem a custo. Os públicos, cuja atenção procuram, sentem-se informados, saturados de conteúdos, capturados pelas redes sociais e sem tempo nem cabeça. Mudaram os dois mundos: o de quem faz comunicação social e o que acede à comunicação social. Do lado dos meios de comunicação social, o sismo digital não parou de abanar a informação impressa, coração da opinião pública, ainda à procura de gerar receitas pelos canais digitais. Os anunciantes atraem-se pelos públicos que acorrem a influencers, instagramers e podcasters e agradecem aos algoritmos poder chegar a quem procuram. Quanto menos recursos, menos jornalistas; e, quanto menos jornalistas, menos jornalismo. A necessidade faz inovar: há mais jornalismo de investigação, mais informação por entrevistas ou narrativas, mais áudio, conteúdos breves, melhores títulos. As notícias falsas fazem aparecer ferramentas de validação (fact check). Agora coexistem notícias comuns, notícias verificadas por fact check, e notícias de conteúdo patrocinado, com impacto na credibilidade. Neste contexto difícil a “inteligência artificial” promete eficácia a baixo custo que levará à sua utilização intensiva, com efeitos que é prematuro antever. Do lado do consumidor, o cidadão já não depende de uma informação servida por alguns atores. Muitos já podem saber mais e de fontes mais credíveis. Muitos outros, porém, ficarão expostos à desorientação e à manipulação. Até se voltar a sentir a falta do jornalismo como mediação profissional que filtra, informa e dá contexto, teremos o cidadão que se informa “self service”, envolve em debates polarizados sem saber dos “bots” programados para incentivar artificialmente discussões, e é cativado por novidades trazidas por algoritmos feitos para que se não largue o telemóvel.

2. Esta evolução em curso, de futuro imprevisível, traz riscos. G.K. Chesterton, jornalista e polemista, em 1930, numa conferência sobre a “A cultura e o perigo futuro”, predisse que o perigo futuro não estaria no bolchevismo (pois “a melhor maneira de destruir uma Utopia é instituí-la.”) nem numa nova guerra (embora, disse, a próxima seria “quando a Alemanha tentar brincar com a fronteira da Polónia”). Estaria na “sobreprodução intelectual, educacional, psicológica e artística, que, tal como o excesso de produção económica, implica uma ameaça para o bem-estar da civilização contemporânea. A sociedade está inundada por uma enxurrada de exteriorizações vulgares e de mau gosto, que paralisa intelectualmente o homem e que não lhe deixa tempo livre para o ócio, para o pensamento, ou para a criação a partir de dentro”. Ao mesmo tempo, esta evolução traz já consigo aquisições importantes. Há condições para os públicos exercerem o espírito crítico de forma fundada, com acesso a modos rápidos de certificar informações. Há condições para os media reproporem o valor de uma informação que seja sobretudo informação e o menos possível serviço a ideias e interesses. O sistema melhora com um cidadão mais inconformista na procura da verdade, mais responsável para apenas partilhar informações que seriamente julgue verdadeiras, e que cultive o hábito de pensar por si próprio, com silêncio e calma (dois bens escassos) sobre ideias, factos e pessoas.

Bibliografia:

« Voltar ao Dicionário Político